NA MESMA SINTONIA.

   A noite se aproxima de mansinho no horizonte, vem subindo a colina verdejante, esticando os seus longos dedos de escuridão. Enquanto isso, o fim de tarde, melancólico, vai descendo o mesmo horizonte, escondendo-se da noite que está logo adiante.

   Sinto a brisa fria do inverno beijando a minha face, os olhos já cansados, perdidos na contemplação do fim de mais uma jornada. Noite e dia param por um instante no alto da colina, os vejo trocarem as últimas palavras em faiscantes raios de luz, que logo se transformam em multicores espalhadas pelas nuvens. Pássaros se amontoam no fio de energia, transeuntes desavisados pelas ruas da cidade, o aroma suave de quietude que se espalha.

Sou apenas um observador, me embriagando com o espetáculo que é o pôr do sol, o lampejo das primeiras estrelas no cair da noite.  

   Há tempos que eu não paro para contemplar tal maravilha que é do ocaso. Vivemos vidas tão apressadas, cheias de um nada sem sentido, correndo o tempo todo e nunca estando contente com nada. O algoz 'crono' rouba os nossos anos e sonhos sem o percebermos. As conquistas das nossas mãos, os esforços de nosso trabalho não tem sentido prático. Criamos regras e colocamos objetivos que em um momento passa como uma sombra, como dizia o sábio Salomão, no fim, tudo é vaidade das vaidades.

   Ainda pouco acabei de chegar do Shopping, levei a minha esposa e filha para um passeio, apenas para distrair a mente, tentar relaxar da correria no meu dia de folga. Eu tinha apenas o dinheiro do estacionamento e de um sorvete para mim e elas, nem um centavo a mais e nem menos. Passeamos bastante, entramos em várias lojas, corremos os olhos em diversas coisas, utilidades domésticas, lojas de artigos japoneses, roupas, calçados, enfim, coisas maravilhosas demais das quais podíamos apenas admirar. Houve um tempo em que eu tinha condições para alguma coisa, no presente momento, não mais. Tudo passou a ser objeto de um desejo inalcançável - pelo menos por enquanto.

   O que mais me impressiona, de verdade, são as aves que contemplo neste momento em que escrevo essa crônica. Quisera eu ser como qualquer uma delas, quisera eu ter a liberdade que corre por entre as suas asas. Quisera eu ver o pôr do sol lá do alto, rente às nuvens. Cada uma dessas aves que neste momento estão empoleiradas no fio de energia é mais rica que qualquer um de nós, toda liberdade que as fazem voar é parte de uma riqueza que dinheiro nenhum no mundo é capaz de comprar. Invejo-lhes o suave canto, a beleza que veste suas coloridas penas, o vento assobiando entre suas asas. 

   Ainda não é noite, e nem dia, estavamos naquele estado intermediário entre um e outro, o exato momento da qual lhes falei que noite e dia param no horizonte do firmamento para se curvar diante do criador, render-lhe adoração, depois trocarem meias palavras e alguns acenos, e cada um seguir o seu curso até o próximo encontro no romper da aurora. Continuarei por aqui por mais uns minutos, pensativo, silencioso. Eu quero ver a noite chegar, ver o brilho das primeiras estrelas, e saber que não há no universo coisa mais linda que as obras da criação. O meu último desejo é que os teus olhos, "caríssimo leitor", por um instante, sejam os meus, e que o teu coração bata na mesma sintonia em que o meu está agora. 

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 10/07/2022
Reeditado em 10/07/2022
Código do texto: T7556329
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