Estes dias

A sensação dos dias grandes da infância, das férias que pareciam intermináveis, a ansiedade de quais seriam meus novos professores e colegas de classe são revistadas na memória.

A sensação de dias longos se foram com as multitarefas da mulher adulta. A ansiedade ainda é sentida, talvez, com mais intensidade devido a uma rotina de afazeres que se estica e adentra as noites e finais de semana. Anos foram vividos assim. As vezes procuro a Renata de anos atrás, que tinha cabelos longos e encaracolados, corpo enxuto e digno de fiu fiu ... Procuro, mas ela não está mais lá e nem aqui, exceto pelo gosto pela culinária, por ter se conservado sonhadora, ainda se emocionar com as casinhas brancas de janelas azuis na beira da estrada e por seguir com o mesmo namorado.

É curioso constatar que a Renata que sou é diferente da que as pessoas vêem e interpretam. Para mim sou autêntica e uma adulta jovem que assumiu seus cabelos agrisalhando e seus b.os, que trabalha muito e que ainda encontra tempo para um artesanato aqui e ali, que descansa bordando e chora vendo filme. Adio assistir filmes que me farão chorar muito, mas coleciono amor por alguns...

Estes dias tenho encontrado pessoas que me chamam de senhora, dona, senhorinha... Me questiono: estou velha assim? Onde estou que não me reconheço assim? Os cachinhos encaracolados e longos deixei para trás. O cabelo curto e agora mais grisalho é minha nova marca. Alguns quilos a mais, é claro, mas com experiência de duas gestações, 4 procedimentos cirúrgicos e uma camadinha de gordura para aguentar as mazelas da vida.

Estes dias em que escuto alguém chamar de idoso, uma pessoa com 60 anos, logo intervenho, mesmo que mentalmente, é nova! Tem muita vida pela frente!

Claro que não tenho mais 16 anos, mas também não sou velha - e olha que ainda nem tenho 60! Só Sou e não trocaria minha idade por uma mais nova. Durante uma época parei nos 27 anos rsrsrs. Quando me perguntavam minha idade só vinha este número mas, não era intencional. Descobri que dormi 3 anos! Era só uma máquina fazedora do que tinha que ser feito.

Quando foi que virei dona? O que muda no olhar das pessoas quando me vêem? Respeito? Respeito não creio, pois o jeito que falam me soa como um não saber tratar, como uma não saber encaixar, com não ter um lugar na sociedade para os adultos que não são tão jovens mas também não são idosos. É como se houvesse um pré conceito velado: as roupas ou são de jovens ou de senhoras, os comportamentos também tem que obedecer a certos padrões esperados. E onde fica o espaço para a gente simplesmente Ser?

Entendo hoje o incômodo que as pessoas nesta fase sentem quando as chamamos de senhor ou senhora...eles só querem ser quem são! Não querem saber de estar sem horas! Estas horas nesta fase correm claramente a nosso desfavor. Queremos é saborear cada uma delas, relembrar as que já vivemos e esperançar pela vida que ainda temos, seja por horas, dias, semanas, meses ou anos. Recorro aqui a um verso de Vinícius de Morais: "que seja infinito enquanto dure" a vida, o amor, o ser, a liberdade e a leveza de existir sem padrões.

Renata

Renata Borges da Costa
Enviado por Renata Borges da Costa em 08/07/2022
Reeditado em 20/09/2022
Código do texto: T7555399
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