Festa do Divino Espírito Santo de Nioaque
Esta crônica propõe um retorno aos últimos dias do regime monárquico para focalizar alguns fragmentos da cultura religiosa popular na freguesia de Santa Rita de Nioaque, atual cidade do Mato Grosso do Sul. Depois de um pequeno atraso provocado por intensas chuvas, no dia 12 de setembro de 1889, começou a tradicional Festa do Divino Espírito Santo, com a presença de centenas de visitantes vindos das fazendas e povoados da região. O evento que acontecia todos os anos foi noticiado na imprensa do Mato Grosso, registando a presença de famílias vindas do povoado de Santo Antônio de Campo Grande, que, dois meses e pouco depois, seria elevado à categoria de distrito de paz e freguesia em consonância com a lei nº 792, de 23 de novembro de 1889.
Por volta das 10 horas da manhã começou a programação prevista pelos organizadores da festa, incluindo cavalhada, corrida de cavalos com apostas em dinheiro, bailes, terços, bandas de música e leilões de vários leitões assados em forno de barro, entremeando assim as partes religiosa e popular. Foi anunciado que um animado baile, ornado por uma saborosa mesa de doces e licores caseiros, foi realizado numa das mais elegantes residências da vila, com a participação de famílias de Nioaque, Miranda, Campo Grande e Vacaria.
No segundo dia da festa, houve o tão esperado desfile de cavaleiros, com seus animais enfeitados, selas novas, vestidos ao estilo, de botas e bombachas usadas por gaúchos que estavam abrindo fazendas na região. O cortejo passou em frente à casa paroquial, onde o vigário abençoava os participantes, com discrição, pois havia certa polêmica decorrente da distância que alguns tinham dos ritos e sacramentos usuais da Igreja Católica.
O comandante de uma unidade militar da freguesia, ao participar do desfile de cavaleiros, deu instruções que simulavam exercícios bélicos de um esquadrão, o que causou grande admiração por parte do público. Houve a participação de um pelotão de lanceiros com dezenas de cidadãos, desfilando como soltados disciplinados. Nos dias seguintes, houve ainda a participação de cavaleiros que simulavam uma batalha entre Mouros e Cristãos.
No dia 13 de setembro, ao lado os eventos religiosos e populares, houve uma reunião na casa do festeiro, onde políticos discursaram em favor da breve e desejada independência política e administrativa do então distrito de paz, que foi criado com a denominação de Levergeria. De fato, menos um ano depois, foi criado o município em terras desmembradas de Miranda, recebendo a denominação atual de Nioaque, no ano de 1892.
Para finalizar, o redator da notícia publicada em A Província do Matto Grosso, de Cuiabá, registrou o que entendia como relevantes os serviços prestados a Nioaque, pelos coroneis da Guarda Nacional, que tinham participado de vários movimentos em favor do progresso alcançado naqueles anos pela comunidade. São traços simbólicos da Festa do Divino Espírito Santo, uma das mais tradicionais manifestações do Catolicismo popular do interior do Brasil, com suas diferentes realidades e múltiplas matrizes culturais e religiosas.