Campo Grande na história do cinema nacional
No início dos anos 1930, dois jovens moradores de Campo Grande, hoje capital do Mato Grosso do Sul, deixaram seus nomes na história do cinema nacional. Alexandre Wulfes e Líbero Luxardo enfrentaram o desafio de fazer cinema longe das grandes cidades do Brasil. Em condições adversas e com poucos recursos, eles tiveram o apoio do general Bertoldo Klinger, ferrenho adversário político do então Presidente Getúlio Vargas e comandante militar de Campo Grande, para realizar o filme Alma do Brasil. Uma produção que retratou o famoso episódio da Retirada da Laguna, um dos piores momentos da Guerra com o Paraguai, eternizados na obra de Taunay.
Lançado no calor dos momentos que precederam a Revolução Constitucionalista de 1932, o filme foi projetado em cinemas do Rio de Janeiro e de São Paulo, marcando presença na crítica jornalística da época. Fazia parte do elenco a experiente atriz portuguesa Conceição Ferreira que passava uma temporada em Campo Grande, com sua companhia de teatro, além atores amadores locais e mais moças e rapazes que trabalhavam no comércio local. As cenas foram filmadas na região da Lagoa Rica, Piraputanga e na região de fronteira, onde um pelotão do Exército, autorizado pelo comandante militar, simulou manobras militares em combate.
Belas moças campo-grandenses fizeram o papel das vivandeiras, valorosas mulheres que participaram do conflito, trabalhando no serviço de apoio aos soldados, fornecendo alimentação, remédios e atendimento de enfermagem. O ilustre advogado José Otávio Guizzo escreveu e publicou, em 1984, um belo livro, narrando os detalhes dessa grande produção, considerada em sua abalizada opinião ser “o primeiro filme nacional de reconstituição histórica, inteiramente sonorizado”.
O lançamento do filme foi no extinto Cine Trianon, que havia na Rua 14 de julho, próximo à esquina com a Avenida Afonso Pena. Para promover o evento, dois canhões do Exército foram colocados em frente ao cinema, com guardas militares perfilados que valorizavam o clima de festa e patriotismo contidos na realização cultural. Naquela noite, fogos de artifício subiram aos céus, houve apresentação de músicos, cantores e de um conjunto paraguaio que reacendeu os profundos laços de proximidade da região com os povos e culturas guaranis.
Alexandre Wulfes era filho de um conhecido imigrante europeu que montou uma das primeiras óticas na tradicional rua 14 de Julho, onde também era possível comprar máquinas fotográficas, joias e relógios. Seu parceiro cineasta, Líbero Luxardo, paulista de Sorocaba, trabalhava na cidade e, posteriormente, foi também pioneiro na produção cinematográfica em Belém do Pará, produzindo documentários e filmes que valorizam a expressão cultural e história da região amazônica.
Meses depois do lançamento do filme, o Sul do Mato Grosso colocou-se ao lado de São Paulo, na Revolução Constitucionalista, quando o general Klinger proclamou o Governo Geral do Mato Grosso, com sede em Campo Grande, empossando o ilustre médico e valoroso político Vespasiano Barbosa Martins como Governador, momento histórico que durou pouco mais três meses. Em síntese, a Alma do Brasil é um evento cultural inserido no contexto político pontual que exaltou a constituição histórica das raízes do que viria a ser o pujante Mato Grosso do Sul dos nossos dias.