🔵 Uma infância destruída
Uma história de tristeza e lágrimas, um desenho desanimado. Essa pequena obra traumatizou toda uma geração. Era muito provável que crianças perderam o sono ao ver o infeliz Pinóquio ser impiedosamente torturado e espancado. Com o pior bordão de todos os tempos, nosso herói, chorando e lamentando tanto sofrimento, chamava: “vovozinhoooo”. A súplica chegava carregada de drama, o que aumentava a carga emocional de cada episódio.
Talvez por obra da globalização — ou, sendo um teórico da conspiração, do globalismo? — a historinha foi criada na Italia; depois de rodar o mundo, foi recriada no Japão e veio ser exibido aqui no Brasil.
Algum japonês, de mal com a vida, abusando da liberdade criativa e licença poética, barbarizou a criação italiana, meteu uma cabeleireira azul e um gorrinho ridículo. Não bastasse isso, em todos os episódios o boneco, insistindo em se comportar como gente, sofria um “bullying” insuportável e terminava tomando uma surra humilhante.
Conforme a história original, toda vez que mentia, seu nariz crescia. Só que, por crueldade do autor oriental, sua napa crescia como um galho de carvalho. Às vezes, nem o velho marceneiro Gepeto escapava do trágico desfecho. Gepeto, o marceneiro, era o miserável artífice do imprestável boneco de pau.
A censura, que ainda existia, dormiu no ponto e deixou passar um desenho que, para poupar a sanidade mental infantil, só devia ser reproduzido após a meia-noite e com uma psicóloga de plantão. É inexplicável permitirem que um ser humano, em incipiente formação, acompanhasse a lamuriosa e depressiva trajetória do boneco sofredor. A, aparente, inocente atração vinha com uma carga emocional negativa insuportável para qualquer ser dotado de empatia, ainda mais para um infante sem a completa formação.
O personagem principal possuía uma expressão simpática e uma apresentação amistosa e, ingenuamente, amigável. Essa crença na bondade humana só servia como armadilha para potencializar nosso sofrimento.
O roteiro era sempre esse: o brinquedo de carvalho saía alegremente de casa, então sofria um verdadeiro portfólio de barbaridades. Mesmo conhecendo o terrível destino do Pinóquio japonês, assistíamos, tendo fé na Humanidade e esperando um pouco de respeito ao boneco inflamável com gorrinho besta e cabelo azul.