A máquina de ler
O ano era 1970 e o Brasil vivia uma grave crise política. Antes, é importante dizer que, em junho do mesmo ano, a Seleção Brasileira de Futebol derrotou a seleção italiana e ganhou a Copa do Mundo, conquistando o tricampeonato. Pronto, se fôssemos olhar o país somente por essa conquista, seríamos o melhor lugar do mundo — só que não. Quanta besteira ufanista se produziu no período! Vamos encerrar os comentários futebolísticos por aqui e falar um pouquinho de outras coisas.
Você sabia que 1970 foi um ano fértil em sequestros de diplomatas estrangeiros no Brasil? Três! Acho que nunca, num único ano, aconteceram tantos sequestros. Eis a listinha: o cônsul japonês e os embaixadores da Alemanha Ocidental e da Suíça. Cento e quinze presos políticos foram trocados por eles. Mencione-se também uma tentativa, frustrada, de sequestro de avião e, no Uruguai, o sequestro do cônsul brasileiro, abrindo uma crise diplomática entre os dois países. Vitória para os Tupamaros, que conseguiram a suspensão do estado de sítio no país vizinho. Enquanto isso, o desmatamento na Amazônia avançava rapidamente, com todo o pacote de destruição. Para terminar o ano: eleições gerais. É claro que o partido governista ganhou, afinal, vivíamos um período ditatorial. Que ano agitado!
Naquele ano, eu estava preocupado com poesia e namoradas, nada demais para um adolescente tentando acompanhar o efervescente cenário político e cultural. Foi quando chegou ao mercado brasileiro uma máquina fabulosa. A engenhoca prometia acabar com os livros justamente quando eu começava a formar minha biblioteca… Calma! Não era apologia às fogueiras, defesa do analfabetismo ou desvio de verbas da educação. A máquina deveria copiar as páginas, armazená-las num sofisticado sistema compacto e disponibilizar o conteúdo ao público. Os vendedores diziam que grandes bibliotecas do mundo, como a do Vaticano, teriam seus volumes copiados e colocados à disposição de qualquer pessoa. Uma maravilha tecnológica, autêntica revolução, tal máquina poderia representar a redenção da humanidade e facilitar a conquista de Marte.
Como costumam dizer por aí: o que uma coisa tem a ver com a outra? — a expressão não é bem essa, mas vocês entenderam. A época não era favorável a explicações cristalinas, enfim, tratava-se de um recurso de marketing. Nos estabelecimentos da empresa, denominados “copicentros”, qualquer pessoa poderia solicitar o serviço. Num recipiente do tamanho de uma caixinha de fósforo caberia toda a obra de Guimarães Rosa, por exemplo, com todo respeito ao escritor mineiro. Um dos problemas era a necessária aquisição do aparelho leitor, que custava o olho da cara. Não deu certo, como muita coisa no período. Ironias do destino à parte, dá para desconfiar que fosse apenas uma tentativa de convencer o pessoal a se desfazer de seus livros. Em tempos de crise, os livros, as árvores e os perguntadores são os primeiros a serem descartados, não é?