Aviadores nos céus de Campo Grande

Numa manhã festiva do mês de março de 1929, a população de Campo Grande, hoje capital do Mato Groso do Sul, testemunhou um evento sem precedentes. Dois pequenos aviões sobrevoaram a cidade e aterrizaram em locais diferentes. Como estava previamente avisado por telegrama, por volta das 10 horas da manhã, chegou o audacioso piloto alemão Hans Gusy, então com 33 anos, depois de pernoitar em Três Lagoas (MS). Nessa cidade, ficou o seu copiloto que desistiu de prosseguir viagem. Esse primeiro avião aterrizou numa pista construída, a golpes de enxadão e coragem, nas proximidades da atual Praça Belmar Fidalgo, região que ficou conhecida como Campo de Marte, nome inspirado no aeroporto da capital paulista.

Depois de ficar 40 minutos em solo, para reabastecer o tanque de combustível, Hans Gusy decolou rumo a Coxim. Porém, sem não ter mais a orientação visual da estrada de ferro e nem de um grande rio. Opção que lhe traria sérios problemas. Na realidade, esse evento estava inserido numa história mais ampla. Os dois disputavam um prêmio oferecido pelo presidente do Mato Grosso, Mário Correia da Costa, para o primeiro aviador que aterrizasse em Cuiabá com sua aeronave.

Duas horas depois, chegou o capitão aviador Antônio Reinaldo Gonçalves, no comando do seu “pássaro metálico”, tendo como auxiliar o mecânico Vasco Cinquini. Para ganhar tempo, eles optaram por aterrizar num trecho da estrada para Três Lagoas. Na continuidade da aventura, diferentemente, da opção adotada por Gusy, o cauteloso capitão preferiu seguir para Corumbá, onde reabasteceu o avião e, na manhã seguinte, voou para Cuiabá, tendo como referência visual as águas dos grandes rios. Na tarde do dia 28 de março, o capitão Gonçalves e o mecânico Cinquini aterrizaram numa pista construída no bairro do Coxipó, periferia de Cuiabá.

Faltando 100 quilômetros para chegar a Cuiabá, o avião de Hans Gusy teve uma seríssima pane. A mangueira de combustível se soltou e não havia como continuar voando. O habilidoso piloto conseguiu então pousar numa área inundada, às margens do rio Cuiabá. Para sair desse local, desmontou parte da aeronave, alugou uma grande canoa e transportou seu aparelho até uma fazenda próxima, de onde conseguiu decolar. Chegou a Cuiabá quatro dias depois do seu concorrente. Não ganhou o prêmio de trinta contos de reis, mas recebeu um bom dinheiro para pagar as despesas.

Hans Gusy ficou alguns meses em Cuiabá. Fazia voos panorâmicos para ganhar algum dinheiro. Participou de solenidades políticas e religiosas e pediu ao bispo que abençoasse a sua aeronave, que foi batizada de “Mário Corrêa”. Ficou registrado na imprensa que, durante a festa de Nossa Senhora Auxiliadora, o jovem aviador fez sobrevoos para comemorar o evento. Para voltar ao Rio de Janeiro, levantou voo para Corumbá, no dia 1 de junho de 1929. Assim, além dos fatos políticos daquele momento de declínio da Primeira República, a história social mais ampla é composta por eventos pitorescos como esse, mas que também estava inserido no quadro político da época.