"E HAVIA TREVAS SOBRE A FACE DO ABISMO..."
Você consegue puxar pela memória e se lembrar com precisão, o que você estava fazendo por volta das 22h00 na noite do dia 11/03/1999? Pois eu me lembro muito bem. Havia ingressado na FIRP – Faculdade Integrada de Ribeirão Pires. Depois de anos longe da escola decidi que queria ser Professor. Todo mundo dizia que eu levava jeito para a coisa. Então, dei uma reciclada e prestei o vestibular. Passei em oitavo lugar. Nada mal para quem entrou com a cara e a coragem. Que fique registrado que o certame não foi muito concorrido. O primeiro ano era básico, no segundo, poderia optar entre História ou Letras.
Conheci uma porção de gente bacana. Uma colega com quem trocava figurinhas literárias disse-me certa vez que seu eu ainda não havia lido Pirandello eu ainda não havia lido nada. Até hoje ainda não li uma linha, mas confesso que tenho curiosidade. Outra colega, moça alvissareira, certa feita me abordou e disse:
Irmão! Sua esposa é ciumenta?
Não muito, porque?
É que eu deixei uma marca na sua camisa branca. Quero ver se você sobrevive até segunda feira. Daí a pouco, meia dúzia de colegas me cercaram sorridentes:
Tá frito, irmão! Olha só! Uma boca tatuada de batom vermelho! é o caos, irmão!. Ora, o meu bem não esquenta muito a cabeça, mas, eu que não sou besta já tratei logo de enfiar na máquina e dar um jeito. Melhor defesa: Não entrar briga! Seguro morreu de velho!
As aulas de Geografia eram as melhores. A Professora Telma era livre pensadora, adepta da linha evolucionista e eu, Jadilson de Aquino, entusiasta da Teoria do Design Inteligente travamos algumas batalhas em sala de aula. Mas, assim, ela abria um espaço de debates e nesse tempo o pau comia. Certa vez, eu disse a ela:
Então foi assim? Um dia, ninguém sabe quando, uma substância Protoplasmática que ninguém sabe o que é, ganhou vida, ninguém sabe como? E ela gostava da réplica porque aproveitava a oportunidade para desmantelar os argumentos criacionistas. Ela era formidável e ficamos muito próximos. Na verdade, eu não disse, mas no começo do ano uma de nossas colegas perdeu um filho em um acidente trágico em uma rodovia. Passado o luto, nossa colega retornou, mas ninguém sabia o que dizer a ela. Muitos achavam melhor não dizer nada até que ela se sentisse confortável. Então, na primeira aula reinou um silêncio constrangedor. Quando a Professora Telma chegou, logo percebeu o embaraço e solicitou que todos nós déssemos as mãos e pediu-me que fizesse uma prece. Um pouco mais, todos nós confortamos nossa colega por sua perda. Daí pra frente, toda aula de geografia começava com uma prece, e eu era, por assim dizer, o orador da sala. Foi então que deram de me chamar “irmão”.
Mas, voltando ao tema, no dia citado estávamos em uma aula de Geografia. A mestre explicou o fenômeno “Big Bang” de uma forma notória. Disse que após a explosão cósmica a terra havia se convertido em uma bola incandescente e arremessada para longe do sol onde teria se resfriado após milhões de anos até que foi atraída novamente para o sol como uma bola de gelo. Enfim, entre idas e vindas, o tempo fez com que as coisas se acomodassem e a terra, agora com bastante água, e com o surgimento do sistema solar, pode enfim criar condições adequadas para o surgimento da vida. No momento oportuno, eu disse: Nesse mundo, exceto pela zaga do glorioso S.F.C. não se conhece nenhum sistema que tenha evoluído espontaneamente do desorganizado para o organizado. Olha essa trufa, por exemplo, (eu ainda não disse, mas promovia intenso comércio de chocolates na faculdade), qual a probabilidade de uma explosão depurar o chocolate, até o recheio ficar como essa delícia de amarula? Foi assim? do nada, e... Whow! E ouviu-se um alarido. A energia elétrica acabou e país inteiro ficou mergulhado no escuro. Naquele tempo não tinha os recursos de hoje em dia. Não tinha lampinha de celular nem de emergência.Tateando pelas paredes com muito custo a gente conseguia chegar ao estacionamento. O país inteiro só falava no Blecaute. Aproveitei a oportunidade e na próxima aula escrevi um texto bem pequeno que dizia mais ou menos assim: Em caso de Blecaute, lembre-se das palavras do Cristo: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará em trevas”. Olhe bem o terreno em que você está pisando: “A tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” e arrematei com “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens...”. Deixei-o afixado no mural da faculdade com meu nome e sala subscritos. Na segunda feira diversas pessoas bateram na porta para falar comigo. Fui convidado para integrar a A.B.U- Aliança Bíblica Universitária. Cerca de uns vinte jovens se reuniam no intervalo em uma sala designada. Ao som de um violão, entoavam alguns louvores e logo após, uma breve meditação. Logo de cara fui incumbido de fazer uma prédica durante a semana. Foram bons tempos aqueles. Mas, infelizmente, não pude dar sequência aos estudos. O aumento do custo das mensalidades, o fato de meus filhos serem ainda pequenos, a demanda do comércio, a demanda da família, enfim, desisti e nunca consegui uma formação. Fico satisfeito com a formação de meus filhos. E você? O que estava fazendo nesse dia?