______________ CASCA DE OVO
Ah, tem coisas que a gente não esquece! Não me esqueço das xícaras que adornavam a cristaleira do grande salão da casa de minha avó. Eram peças que encantavam ao primeiro olhar: pequenas, delicadas, em cores que pendiam para o dourado, e que traziam estampadas uma graciosa gueixa de sombrinha na mão. Só de ver, a imaginação voava longe. Hoje sei que no final do século XIX, adentrando os anos 1920, foram importadas do Japão porcelanas finíssimas, as chamadas Casca de Ovo — eram tão levinhas que davam medo de segurar. Pelas contas que faço, as xícaras de minha avó datam daquela época.
Muitos anos depois, ainda resta um exemplar dessa raridade na cristaleira de uma tia, a última do legado familiar. Outro dia, tive na palma da mão esse símbolo de resistência: a xicarazinha japonesa. A gueixa pintada à mão continua lá, firme e forte, e não fosse pelo risquinho de um trincado, eu diria que ainda está como a vi noutros dias. Mas esse trincadinho, o que significa perante a grandeza da xicarizinha? Ainda mais quando se trata de uma Casca de Ovo, vinda lá das lonjuras japonesas... É valente a pecinha de porcelana, pois muitos olhares que já partiram se deleitaram em sua superfície de gueixa e sombrinha. E nada, até que se quebre em mil pedaços, poderá despi-la de seu destino de contar história. Nesse caso, até o trincadinho faz parte... Afinal, quem nunca?
Tema da semana: Xícara trincada (crônica)