Ao ler a obra intitulada "O idiota" de Dostoeivski fiquei fascinada pelo protagonista Lev Nikolayevih Mishkin que muito se assemelha a outro personagem do mesmo autor russo, Aliocha, de "Os Irmãos Karamazov" sua atenção prioriza a beleza do ser humano, do ser comum, que tem sua peculiar visão de mundo, que não obedece o realismo, e por isso mesmo, nos mergulha no fantástico. Há semelhanças com Cristo misturadas com traços de Don Quixote.

Um príncipe voltando do sanatório suíço, por ser epiléptico que se encontra com um espertalhao Rogöjn que nutre uma paixão obsessiva por uma jovem e, ainda, um funcionário do governo chamado Liévediev.
A base de todo romance é que o protagonista não é um homem brilhante e atravessa a vida de forma simples e, portava uma certa ingenuidade que fazem com que os outros lhe vejam como o idiota. Por acaso, herda uma grande herança porém, é chantageado por quem se afirma ser filho ilegítimo do benfeitor de Michkin. Quando, finalmente, a história é desmontada, ao invés de castigar o culpado e seus cúmplices, nutre amizade por ele. Nessa sociedade composta de pessoas elegantes, há mundo dos ricos e poderosos e, por isso mesmo, conservadores, e o outro lado, a fúria de jovens anarquistas e niilistas com sua contumaz hostilidade.

Nesse embate, o pobre príncipe epiléptico está sempre sozinho e muito exposto. E, então, Michkin revela sua doçura e natureza infantil tanto que aceita o insulto e, está sempre pronto em aceitar toda sua culpa, colocando sobre seus ombros toda a responsabilidade. Os dois lados acabam por pisar os pés de todos, e geram ressentimentos comuns e, estão sombriamente unidos na escuridão da ignorância.

Como idiota sua relação com o inconsciente se dá de forma evidente e, seus lampejos e intuições são capazes de perceber o sofrimento humano e ter empatia, o que parece ser mágico e, simultaneamente, cruel. Na cultura humana o mundo é dual, dividido em claro e escuro, em bem e o mal. Mas, tudo é permitido, e é na experiência mágica onde reside a reversibilidade de todos os valores morais, Michkin não deseja violar a lei nem a fé cristã.

Distanciado por longo tempo do convívio social, o protagonista não percebe o jogo social existente e pulsante enre a aparência e essência das pessoas e, que a primeira é muito mais valorada que a segunda. Por isso, o Michkin se mostra para a maioria como um completo idiota.

O personagem é tímido, infantil, cheio de bondade genuína, caloroso, altruísta e sensível e nos ensina até amar os maus, para percebemos que há algo semelhante a eles, algo muito próximo deles. Ninguém é totalmente mal ou totalmente bom. Ninguém é bom o tempo todo. Simplesmente é impossível. O livro é uma obra-prima da psicologia e expõe a interação das motivações conflitantes, escondendo-se por de trás de máscaras sociais e das reais intenções.

 

Obs: "O idiota" tem quase duzentas páginas e se passa num único dia, exatamente àquela quando Michkin chegou a Petersburgo. O tempo da narrativa parece não ter importância ou é secundária, pois o autor russo prioriza em mostrar as relações da sociedade corrompida diante de um homem sem maldades, puro em sua sua essência, e a tensionar o paradoxo homem (bem) versus sociedade (mal) ao limite. Sua obra veio marcar a literatura do século XX, traçando o fluxo da consciência, o que se vê em obras de James Joyce, Virgínia Woolf e, no Brasil, Clarice Lispector.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/06/2022
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