Mulheres da terra (Parte II)

E logo bem cedinho no cantar das galinhas Eloá já estava de pé e sem ajuda de ninguém após a saída de sua mãe, ela misturou todos os ingredientes colocou no forno e chamou a sua irmã que ajudasse a vender quando estivesse. Helen estava desanimada com tudo o que tinha acontecido, mas foi acompanhar a sua irmã. Mas desta vez se separaram, Helen ficou na região da igreja e Eloá inventou que iria tentar vender nas ruas de trás, porém na verdade ela foi para o famoso bar que sua mãe tinha dito a muito tempo que não passasse nem por aquela rua.

Ela estava com medo e de longe avistou alguns homens com garrafas nas mãos em frente ao boteco e a passos lentos ela foi em direção a eles. Ela ficou sem reação quase que muda, até que um dos rapazes acariciando a cabeça dela perguntou o que ela fazia por lá. Ela abriu o saquinho de pano estirando suas mãos em direção ao mesmo rapaz que agora tocava em seu rosto dizendo que tinha bochechas macias. Ela estava incomodada mas disse o preço.

Então os homens que estavam ali na frente compraram todo os biscoitos que ela tinha levado. E lá de dentro do bar ouviu-se um grito de ordem, de uma voz forte, era a senhora Antônia dona do bar que era mais conhecida como dona Tonhão. Pedindo que tirassem as mãos da menina e rapidamente ela puxou Eloá para dentro perguntando aos gritos o que ela fazia por ali. – Cadê a sua mãe menina? E logo após os sermões dados Tonhão pediu que a seguisse pelo corredor que iria pedir a uma das meninas que a levasse para casa.

Mas foi tudo muito estranho para Eloá, caminhando entre aqueles corredores escuros de portas fechadas ao fundo do bar, não imaginava que no fundo tinha uma casa com vários quartos, mas o que ela queria naquele momento era voltar para casa, estava muito assustada. Até que a dona Antônia bateu em uma das portas e pediu a uma das meninas que dormia no quarto que levasse a garota para casa. Então empurrou Eloá para dentro e rapidamente saiu batendo a porta do quarto.

Era um local pouco iluminado que tinha uma cama e um armário velho onde Eloá prendeu sua visão nas bonecas e ursinhos de pelúcia que estavam próximo do armário. A garota enquanto se trocava em sua frente percebeu a observação de Eloá e disse que ela podia pegar, Eloá mesmo com medo não pensou duas vezes e escolheu um urso de cor branca, mas estava bastante amarelado devido ao lugar. Eloá se mantinha muda, mas então perguntou a garota: – Você mora aqui? A garota já estava pronta e olhou para ela e disse: Vamos? Aqui não é um local para você.

Assim que a menina soube o caminho da casa de Eloá, deixou-a próxima a igreja e disse que não iria mais do que aquilo ali e já estava tudo escuro. Eloá Olhou para os lados e não avistou mais Helen por ali. Mas antes de a garota ir Eloá disse uma coisa a ela. Eu conseguir vender todos os meus biscoitos hoje lá na sua casa, você poderia me ajudar. A garota simplesmente disse, -vá para sua casa antes que sua mãe apareça por aqui e lá não é lugar de vender doces. E antes de Eloá partir perguntou o nome da menina. Mas ela não respondeu dando-lhe as costas.

Logo depois ela foi para casa e chagando lá, sua mãe ainda não estava presente, mas Helen já estava aflita pelo seu desaparecimento querendo saber por onde ela estava que não iria deixar aquilo se repetir e Helen não parava de falar até que Eloá colocou as mãos no bolso e disse que tinha vendido todos. Helen parou e olhou impressionada como sua irmã conseguiu vender tudo enquanto ela malmente vendeu a metade. Mas ela falou que as pessoas que tinham comprado acharam as bolachas de goma maciais e saborosas questionando o que ela colocou de especial na massa. Eloá sorriu e disse que iria ao banho porque estava muito cansada.

Naquele dia Eloá antes de ir dormir ainda ajudou sua mãe na cozinha a fazer a massa, pois ela conseguiu convencer Leonor de que poderia ser melhor. E foi dormir pensando no dia que ela teve, no seu brinquedinho de pelúcia que tinha escondido da sua irmã ao chegar, e sorrindo por ter vendido todos os seus biscoitinhos. Enquanto isso Leonor ficou contente com as vendas das suas filhas e não tinha a mínima ideia do que havia acontecido, mas foi o suficiente para ela mesmo cansada deixar as bolachas de goma pronta para as meninas venderem no dia seguinte.

As flechas das luzes do telhado já riscavam o rosto dela enquanto se espreguiçava tomando toda a cama, era Eloá que foi a primeira a levantar, como de habito arrumou a mesa do café e já estava animada para fazer mais biscoitos com a Helen, mal sabia ela que sua mãe antes de sair tinha deixado tudo pronto coberto por uma toalha em um cesto. Então Eloá correu para acordar a sua irmã, – acorda, acorda, mamãe deixou biscoitos prontos para gente ir vender, vamos comer logo para a gente poder sair, Helen não estava muito animada mas sabia que poderia conseguir vender se saísse mais cedo. Logo depois do café elas se arrumaram e saíram Eloá bem empolgada e Helen ainda com cara de quem ainda não acordou e no meio do caminho as duas foram conversando e única coisa que Helen pediu a Eloá foi que ela não fosse tão longe que se não contaria para sua mãe. Mas Eloá como sempre teimosa e sabia que lá no boteco poderia vender tudo nem pensou duas vezes e disse a sua irmã que venderia na rua de trás da igreja novamente.

Porém, quando ela chegou da esquina da rua não foi como esperava, ela avistou dona Tonhão que estava lavando a frente do boteco e cantando músicas de samba antigas, não tinha ninguém lá na frente, até que ela ouviu assovio de uma das janelas da casa, era a menina Soraia a mesma garota que tinha deixado ela na praça para que pudesse ir para casa. Eloá de forma a buscar os cantos para não ser vista por Tonhão, foi até Soraia que perguntou:

– O que você faz aqui novamente, já foi avisada que não pode vir mais?

Eloá, – você nem me disse seu nome e eu preciso vender esses biscoitos e aqui é o lugar mais fácil que encontrei para vender, só que hoje não tem ninguém aqui.

Soraia, – Meu nome é Soraia Eloá, e aqui não é um lugar para meninas de sua idade, gostaria muito de lhe ajudar, mas não posso e é melhor você ir antes que dona Tonhão nos veja conversando.

Eloá então antes de ir disse: – Já que não posso ficar aqui, você não poderia pegar parte da minha cesta para vender e depois eu vinha pegar o dinheiro com você?

Mesmo não querendo, Soraia cedeu ao pedido de Eloá, que logo depois foi vender a outra metade aos arredores da vizinhança enquanto Helen estava sentada no banco da praça perguntando aos transeuntes e as essas alturas Eloá já tinha vendido todos os biscoitos de goma do cesto, e estava esperando entardecer para ir buscar o dinheiro com Soraia.

Eloá voltava animada, pensando no dia bom que tivera ao encontro de Soraia na mesma janela que tinha a deixado pela manhã, só que dessa vez estava fechada e ouvia muitos gritos lá dentro, percebia que que Soraia parecia está apanhando e chorando, Eloá ficou muito assustada, mas não sabia ao certo o que estava acontecendo devido está escuro lá dentro e a janela se encontrava fechada. Então ela saiu correndo em direção a porta da frente que já tinham vários homens na frente da porta gritando por senhora Tonhão, falando que Soraia estava apanhando de alguém dentro do quarto.

Tonhão saiu rapidamente mesmo sem entender para ver o que estava acontecendo enquanto isso Eloá ofereceu o resto dos biscoitos aos cachaceiros que estavam na porta que no meio do tumulto compraram todos. De repente Tonhão vem de lá de dentro aos chutes e pancadas em um rapaz que estava bêbado dentro do quarto de Soraia. E mais uma vez Eloá ficou sem entender nada, e no meio daquela desordem ela correu para o quarto de Soraia que ao chegar lá estava ajoelhada chorando debruçada na cama.

Eloá ficou em silencio observando as marcas rochas nas costas de Soraia e vagarosamente se aproximando pegou um lençol e a cobriu. Soraia perguntou o que ela fazia ali naquela confusão, pois era muito arriscado. Então Eloá disse: – Eu ouvir gritos do lado de fora, sabia que era você, logo corri para avisar a dona da casa. E antes que Soraia pudesse falar alguma coisa, ouviu-se barulhos de tiros e de muita correria e gritaria. Soraia pegou uma bolsa e puxou Eloá fugindo pela janela elas saíram correndo, olhando para atrás, Soraia viu que era Tonhão que estava caída no chão mas sabia que não poderia fazer nada naquele momento, continuaram correndo com os olhos da tristeza estampado em seu rosto. Como não tinha para onde ir, acabou indo para a casa de Eloá.

Helen já estava aflita na porta de casa esperando por Eloá, mas como sua mãe já tinha chegado e foi procurar por ela pediu que ela ficasse em casa aguardando caso sua irmã chegasse antes. Helen assim que avistou perguntou o que tinha acontecido vendo a cara das meninas de espanto e ofegantes. E logo em seguida perguntou também quem era aquela menina que estava com Eloá. Sem saber bem o que falar, Eloá disse que era uma amiga que ela tinha conhecido e tinham saído correndo de uma confusão. Logo após alguns minutos Leonor havia chegado e estava muito irritada com o sumiço de Eloá. Mas ela estava tão preocupada que nem reclamou as suas filhas naquele momento, simplesmente abraçou-a e disse que nunca mais fizesse isso. De repente ela voltando a se, olha para o lado e ver Soraia, com os olhos arregalados. Leonor pergunta: – Onde você estava esses últimos anos?

Mal sabia Eloá que Soraia é filha do dono da fazenda onde sua mãe trabalhava e que ela tinha fugido por ser bastante castigada pela sua madrasta, devido a não poder ter mais filhos e Soraia ser de um relacionamento as escondidas do seu marido. Soraia disse aos choros que não voltava mais para lá, que lá não era mais a sua casa e que estava cansada de ser castigada pela sua madrasta e ter suas coisas destruídas e ainda sendo a culpada. Leonor pediu que suas filhas entrassem no quarto e continuou a conversa. Logo ela disse a Soraia:

– você sabe que não pode ficar aqui, se seu pai descobrir que eu sei onde você está, não vou conseguir mais trabalho nem na fazenda e em lugar nenhum, mas você pode ficar aqui esta noite, só essa noite amanhã terá que ir. Aconselho que você volte para a fazenda e não diga a ninguém que esteve aqui.

Eloá estava a ouvir a conversa no canto da cortina do seu quarto enquanto Helen já se encontrava dormindo, e correu para pedir a mãe que deixasse ela ficar, que ela não tinha culpa de nada e que era sua amiga. Mas sua mãe reafirmou o que tinha falado e disse que não tinha condições de Soraia continuar na sua casa. Soraia tinha consciência da situação e pediu que Eloá ficasse calma que ela iria embora e que o lugar dela não era ali. Eloá não tinha esquecido o momento em que ela encontrou Soraia chorando e lembrando das marcas em suas costas. Então ela pediu que Soraia levanta-se sua blusa porque queria mostrar algo a sua mãe, Soraia disse que não faria, mas a ousadia de Eloá era grande e no vacilo que Soraia deu, levantou a blusa de Soraia e perguntou a sua mãe.

– Ela tem a mesma marca que você tem nas costas mãe? E com indiferença sua mãe pediu que ela deixasse de ousadia e que fosse tomar banho para ir dormir que a maratona de fazer bolachas de goma tinha acabado. Soraia ficou em silencio e não falou mais nada naquela noite.

No dia seguinte como de habito Eloá preparou a mesa com tudo o que tinha sobrado e fez um desenho rabiscado em um pedaço de papel, lá tinha sua mãe, Helen, Eloá e Soraia de mãos dadas em frente a uma casinha que lembrava muito a dela própria e entregou a Soraia. Soraia sorriu em silencio e agradeceu a todos e antes que fosse embora puxou algo de dentro de sua bolsa. Era um livro chamado mulheres da terra, era o segundo presente que ela dava a Eloá, dizendo para ela não desistir dos seus sonhos e que existia coisas melhores do que vender biscoitos como brincar na grama e ler livros pois os livros transformam pessoas e as pessoas transformam os livros em sonhos.

Eloá perguntou:

– E os sonhos se transformam em que?

Soraia disse:

– Em vidas Eloá.

EdCsilva
Enviado por EdCsilva em 28/06/2022
Código do texto: T7547662
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.