IMPERFEIÇÕES DO SER HUMANO

Estou ficando careca, sou surdo do ouvido direito, tenho miopia, rinite alérgica, labirintite e minhas pernas – pela idade ou por herança genética – doem quando levanto de um agachamento.

Em contrapartida, apesar dos cabelos que me faltam, ouço do ouvido esquerdo, uso óculos para ler e ver o mundo, a rinite só me ataca de quando em quando, a labirintite está controlada por remédio e tenho duas pernas que, apesar das juntas enferrujadas, ainda me levam onde quero ir.

Enquanto isso, há tantos surdos que não escutam o som da brisa, tantos cegos que não conhecem as cores do arco íris, tantos que sofrem de doenças crônicas e outros tantos que estão condicionados a uma cadeira de rodas.

Reclamamos muito: meu salário é uma merda; meu carro é do ano mil novecentos e me esqueço enquanto meu vizinho que não sei no que trabalha tem um carro do ano; minha vida é um filme e eu não sou o papel principal!

E antes que me chamem de qualquer coisa: eu também reclamo, pois já estive em melhores momentos.

Apenas reconheço que poderia estar pior. E quando cada um de nós chegar a essa mesma conclusão, talvez estejamos, se não próximos ao êxtase, ao menos mais conscientes da realidade.

E continuamos reclamando:

Vivo em função do marido e dos filhos; trabalho em dois turnos para sustentar a casa; meu patrão não me dá nem um sorriso, que dirá aumento de salário! São tantas reclamações mas apenas uma pergunta: quantos gostariam de estar em nosso lugar?

Só não me eleja pra conselheiro de autoajuda: sou chato, ranzinza, mal-humorado, além de sorumbático. Mas sei reconhecer que sou privilegiado pelo simples motivo de estar vivo e com relativa saúde.