HOMEM DE SESSENTA
Extraído do livro do autor "Hacasos", edição de 2016
De repente, cheguei aos 60, ou seria os 60 que chegaram a mim? O que sei agora é que parece que o tempo voou e que tudo passou numa velocidade descomunal, por outro lado o paradoxo, tantas coisas aconteceram por todos esses anos. Da primeira infância restam traumas que nem Freud explicaria e lembranças difusas que minha mente teima em se lembrar. As surras tomadas de mamãe por uma peraltice qualquer, das brigas com os irmãos sem uma forte razão, das brincadeiras inocentes e do pavor do homem do saco e dos bichos-papões. Tinha medo do escuro, o meu universo pequeno não ia além do muro.
Fora educado com rigor, palavrão era pecado, Papai do Céu punia pelas malcriações e até os pensamentos ruins um dia seriam por Ele castigados. Criança obediente era recompensada e salva da punição, rezar era a solução. Sabia que tinha que comer para crescer, a comida era gostosa apenas, mas a sobremesa era mais doce, tinha sabor de quero mais, uma só não era suficiente, que pena. Nessa fase levava a vida na flauta, como diziam os antigos, tudo nos parecia sem relevância, o relógio ainda não existia e até às primeiras letras, tudo era sem importância.
Com o passar do tempo, a coisa começa a ficar difícil, tínhamos a escola, as tarefas e as provas, tudo na hora certa e brincadeiras em certas horas. Um dia era tempo em demasia, uma semana era uma exorbitância de sete dias, um mês, então, nem dava para contar, o Natal, esse então, uma eternidade para aquele presente chegar e essa demora, no entanto, durou até a descoberta da verdade e da quebra do encanto. A vida ia ficando mais séria, compromissos com o sistema e com o social, o corpo em constante mutação, junto às penugens a sina, surgem os danados cravos, as espinhas infestando o rosto e a voz desafina. Curiosidade em profusão, sustos nas descobertas do dia a dia, espantos das elucidações das dúvidas existentes e decepções sobre os truques das magias. Vivia rodeado de muitos amigos, mas queria mesmo ficar de conversinhas marotas, lógico que com as garotas. Isso mesmo ficava abilolado e de mãozinhas em mãozinhas, de beijinhos em beijinhos se enamorava sem saber o porquê. Num dia, eu me apaixonava, noutro alguém eu desprezava.
Das alegrias vividas e das dores do coração ficaram saudades e as lembranças de algumas canções. Nessa fase, conquistei amigos sólidos de verdade, assim, dignos de constarem na minha lista ainda, fazem parte do meu rol de gente especial. Muito cedo tive que ir à luta, o dia era para trabalhar e a noite era para estudar, mas nem por isso deixei de prestar o vestibular. Na universidade a gente se depara com a ansiedade da formatura, após tudo isso, a responsabilidade nos mostra quão cruel é a realidade nua e fria. Se de tudo o que já havia passado acreditava ter superado, porém, muito mais ainda viria para ser contado. O namoro agora mais sério resultou no casamento, vieram os filhos, e com eles, o sufoco no orçamento. Criança nos oferece preciosos momentos de emoções, mas vem sem o manual de instruções. Os filhos nos trazem alegria, preenchem a vida, mas crescem se formam e vão embora, o nosso tempo dedicado a eles diminui, o ninho se esvazia. A gente envelhece, fica triste, a esposa paciente nos consola. Quanta ironia, ainda jovem via no homem de 60 um ancião no ocaso da existência, mas o tempo me ensinou que a vida é uma constante insistência, sinto-me jovem, penso.
De tudo o que até aqui aprendi ainda tenho muito que aprender, não sei nadar, na informática sou um mero usuário, acho que matemática tem mais jeito não. Tem ainda aquele livro que na adolescência não terminei, o filme que ainda não vi, o lugar que um dia irei e o prato a ser provado. Ainda, veja só para colocar a gravata ainda recorro a alguém para fazer o nó. Então, que venham mais 60, agora mais experiente só farei o que for conveniente, remédio na hora certa, exames constantes, alimentação sadia, controle da pressão, hidroginástica, visitas à farmácia, sexo com tolerância e conversa em abundância.
Mas com essa idade, certeza mesmo é que tenho lugar especial na fila do banco, assento reservado na condução, vaga no estacionamento e o carinho do neto que quem sabe um dia virá. Não, não estou triste ao tornar-me um sexagenário, estou muito feliz, pois tenho ainda muito que viver, só queria de volta tudo que o tempo aos poucos tirou, a maciez da pele, a dentição ilesa, os cabelos outrora abundantes, a rigidez dos músculos, o cálcio dos ossos, o coração possante, a memória sadia, a audição atenta, a visão profunda, o bicho de pé e a robustez da minha bunda. Para terminar, só mais uma coisinha, quem vier com a conversa que agora é a melhor idade, eu respondo, a melhor idade é aquela na qual a gente acredita que sempre terá um amanhã e que a expectativa do que está por vir é um alento para o nosso existir.