Bicho 3

Juca, surrado, trôpego, para diante a mesa,

E sussurra: "Alguém me ajuda?

Quem poderia me comprar um salgado?

É que minha barriga tá vazia...

Serve também um copo raso com água ou cerveja:

É que minha boca, além de seca, tá rachada."

Ouve a resposta bruta, todavia:

- Tem não. Suma senão te dou um murro na cara... vai, vaza! Se afaste!

Juca mostra a triste face, mas persiste,

Noutro murmúrio, ainda mais humilhado:

"Então, me arruma um cigarro?

Ou um dedo de cachaça: é que sinto muita dor e..."

Não teve tempo, porém, de terminar o clamor;

Houve a resposta abrupta:

- Não tenho nada a ver com sua desgraça, filho da puta!

E o empurra... e o chuta... e o rechaça...

Juca, coitado, tá todo alquebrado:

Levou uma surra, e não foi leve!

E ele se leva embora, de cabeça baixa, feito um burro enxotado pelo algoz,

A mão no olho disforme, em forma de sentido pra poder enxergar,

Sentindo seus passos indo de mal a pior, sem sorriso, sem voz,

Sem rumo, nem amigo, nem fé, sem sentido nem um lar...

Embora ninguém tenha judiado de Juca no bar

Seu infortúnio foi fruto da maldade doutro lugar…

Então, quem agrediu Juca?

Alguém viu, alguém sabe?

Isso é o que mais machuca:

Saber que ninguém se importa.

Um idiota disse pra ele, preocupado:

"Juca, vá vê se Deus não tá ocupado...

Sem sombra de dúvidas Ele abre:

O Senhor não vai te bater à porta..."

Juca, suado, roto, para diante da igreja,

E se assusta: "não pode entrar de bermuda?"

Quem poderia ter adivinhado?

É que ele não sabia...

Serve como exceção quem vive em extrema pobreza?

É que ele dorme debaixo de uma ponte rachada.

Ouve a resposta bruta, todavia:

- Pode não. Aqui não entra sem-teto; vaza!

Juca mostra uma cara triste, e insiste,

Num lamento ainda mais desolado:

"Ah, se eu tivesse um carro...

Ou mesmo uma pequena casa:

E isso me causa tanta dor;

Só queria que o senhor me abrisse as portas!"

E como resposta:

- Não posso fazer nada.

São as regras da Casa do Senhor:

Sem dízimo nem oferta, sem porta aberta!

Obstinado, porém, Juca tenta entrar à força, atrás de 'sua ajuda'.

Do seu Milagre!

Mas o guarda lhe bate à porta,

e o empurra, e o chuta, e o enxota

E o esmurra até à calçada, numa luta mais que injusta;

Covarde! E o teria dizimado ali mesmo, não fosse manchar a fachada da casa do Senhor dos Exércitos!

Onde foi mesmo que Juca viu que "os humilhados serão exaltados"?

"Vinde a mim os oprimidos?!" Não, ali, verdadeiramente, não era o lugar que tanto ouviu falar…

Esse infortúnio Juca me contou no bar

depois de aparecer diante da minha mesa

Aturdido, pedindo ajuda, com o olhar perdido...

Sentindo dor, solidão e tristeza.

Com fome, sede, com frio, e ferido -

e eu o convidei pra se juntar comigo.

"É no fiado; tô sem dinheiro, mas peça lá um cigarro;

Pegue também um copo descartável

E venha partilhar do meu vinho..."

Ele abriu um sorriso e me chamou de amigo -

logo a mim que me sentia tão sozinho...

...apesar dos livros, likes, Bach, Baco, celular…

Juca foi encontrado morto num terreno baldio…

Como sempre, ninguém sabe, ninguém viu…

Jey division
Enviado por Jey division em 21/06/2022
Código do texto: T7542354
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.