TRÊS AMIGOS PORTUGUESES
TRÊS AMIGOS PORTUGUESES
Nelson Marzullo Tangerini
Durante muitos anos lutei sozinho para preservar todo o trabalho deixado pelo meu pai e que foi guardado pela minha mãe, Dinah.
Volta e meia me encontrava com amigos do meu pai que me cobravam a republicação de seus textos. Duas pessoas que me cobravam por esse trabalho eram, além de minha saudosa mãe, Mário Lago, advogado, poeta, escritor, ator e compositor, e Djalma Bittencourt, ex-presidente da SBAT, Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.
Enquanto isso, via, na tv, humoristas plagiando esquetes de Nestor Tangerini; durante muitos anos lia livros ou artigos de jornais, quando o assunto era teatro de revista, em que o nome de meu pai era limado sem a menor cerimônia.
Irritado, mal humorado, procurava jornalistas e biógrafos na esperança de que eles corrigissem seus erros. Em vão. Com deboche e desdém, fingiam me ouvir para, noutro livro ou artigo, voltarem a incorrer no mesmo erro.
O jeito foi apelar para amigos portugueses, para que pudesse ser ouvido. E o cerco se fechou mais para mim.
Em 18 de junho de 2022, encontro, em meio a uma infinidade de livros, jornais e recortes, uma de minhas cartas, publicada na página 2 do jornal português Nova Gazeta do dia 4 de maio de 2001:
“É muito triste ver a obra poética e teatral de um ente querido ser plagiada e não poder defende-las.
Estou a falar de meu pai, Nestor Tangerini, caricaturista de estilo cubista, teatrólogo, compositor, professor de língua portuguesa, jornalista, escritor e um dos maiores sonetistas satíricos de nossa Comunidade Lusófona., podendo figurar ao lado de Bocage, Gregório de Matos, Nicolau Tolentino, Luis Gama, entre outros.
Como não consigo espaço na media brasileira para denunciar o que está a acontece com a obra de meu velho, que teve seus dias de glória nas décadas de 20, 30 e 40 so século 20, resolvi escrever o livro “Perfil quase perdido – uma biografia para Nestor Tangerini”. A obra, inclusive, corrige erros de jornalistas e de historiadores que, por maldade, sempre omitem seu nome. Mas como não tenho padrinhos na panela literária, não consigo publicá-lo e/ou fazer a minha voz ser ouvida.
Já escrevi cartas aos ministros da Cultura e da Justiça. Nada. A quem mais devo recorrer?
Gostava de de agradecer a três amigos portugueses – Manuel Vieira, Fernanda Durão Ferreira (escritores) e Luís Carvalho (poeta) – por terem-me confortado e me ajudado durante muitos anos. Fernanda e Vieira deixaram cópias de meu livro e dos livros de meu pai no Instituto Calouste Gulbenkian nas Bibliotecas das Universidades de Coimbra e Lisboa e no jornal Diário de Notícias, muito apreciado por mim.
Quanto ao Luís Carvalho, o amigo tem lido os sonetos de Tangerini em rodas e em programas literários de Hamburgo, Alemanha, onde mora e divulga poetas, escritores e compositores de língua portuguesa.
Tenho ainda acesa a esperança de que um dia o Brasil se torne um país democrático e as igrejinhas tenham fim.
Chico Buarque diz, na canção “Fado tropical”: “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal;: ainda há tornar-se um imenso Portugal”.
A mensagem de Chico ainda está a valer”.
Enfim, depois de bater de porta em porta, recebendo Nãos, resolvi bancar os livros de meu pai e os meus, com meu próprio dinheiro, suor de meu trabalho como professor. E “Humoradas”, “Sobre o beijo”, “Dona Felicidade”, “Cinco sentidos” (de Nestor Tangerini) e “O professor e o poeta” e “Nós desatados”(meus), vieram ao mundo, através da Editora Autografia.
Ainda sonho em ser publicado por uma grande editora. Mas ficam as perguntas: quem pode e quem não pode publicar livros no Brasil? E que cânones são esses que não podem abrir espaço para um poeta genial como Nestor Tangerini? Quem pode ter direito ao sol tropical e escaldante do Brasil?
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In memoriam a Manuel Vieira e Luis Carvalho, que não estão mais entre nós.