E, AÍ, GOVERNADOR, GOSTOU? E O REQUIÃO RESPONDEU: MELHOR IMPOSSIVEL
Talvez a prática tenha se arrefecido, em face da lente da Lava Jato, que tudo via, tudo podia e tudo interpretava, mas ela ainda se faz presente em vários Estados. Segundo o costume, tão logo eleito, o governador partia rumo ao Exterior, para um toour recreativo e também de prospecção de oportunidades de investimentos, para o seu Estado, acompanhado de futuros colaboradores, empresários, jornalistas, alguns oportunistas e aspones escolhidos à dedo.
Requião estava no seu primeiro mandato. O Secretariado já fora definido, os diversos atores tinham lugar marcado no Governo, e lá se foi, segundo a tradição, para o Exterior, Roberto Requião de Mello e Silva, combatente aguerrido, seguido por séquito de personalidades, umas notórias e outras, nem tanto.
Eu não havia sido incluído oficialmente à comitiva, porque o Governador, apesar de demonstrar apreço pela minha pessoa, costumava manter, com empreiteiros, distância técnica que, aliás, ainda pratica.
Mas, não me dei por vencido. A comitiva seguiu caminho e lá fui eu atrás, em companhia de minha esposa, Anna, de ascendência chinesa e nascida em Hong Kong. O encontro com a comitiva se deu na cidade natal da Anna, com a qual, aliás, ela se sintonizava perfeitamente. Anna falava cantonês fluente, mas claudicava no mandarim. Contudo, se comunicava com facilidade, tornando a jornada mais leve, sem contratempos e com a rotina de viagem transcorrendo amena.
No Hotel Island Shangri-la Hong Kong, cheguei antes da comitiva. Requião e o seu séquito se exauriam em encontros formais, se entrosando com as agências locais de investimentos, quando me apresentei à recepção do Hotel. Fui recebido com fidalguia própria de dignitário estrangeiro. Como os orientais são finamente receptivos, entendi como normal o procedimento e, inclusive, enchi os pulmões de autoridade, como se fora eu o governador e distribuí polpudas gorjetas. Subimos ao apartamento, Anna e eu, conduzidos por duas jovens de beleza típica oriental, e por dois camareiros. A suíte que nos foi destinada era simplesmente espetacular. As acomodações tinham mais de 100 metros quadrados. A cama era imensa, e as cobertas feitas de cetim de esmerada qualidade. As paredes, revestidas de seda decorada, estampavam cenas do cotidiano chinês tradicional, sendo que parte do revestimento exibia bordados em lâminas de ouro de 24k , o que é comum naquele país. Havia uma ante-sala com dois enormes sofás. Um, no estilo europeu, e o outro, de madeira maciça trabalhada, com figuras esculpidas com extrema delicadeza de detalhes e de cor escura. Muito bonito, mas não dava para nele se recostar. A janela da suíte abria vista para a baia de Hong Kong, com cenário deslumbrante para o nascer do sol. O serviço de quarto era diuturno, com um atendente plantonista à porta da suíte, cuja presença no interior da habitación se fazia ao simples toque de um botão o, que, aliás, na prática, se transformou num incômodo.
No final da tarde fomos até a suíte do Requião. Anna queria entregar à Maristela, sua esposa, uma delicada lembrança de peça chinesa feita à mão, sem correr riscos de quebra. O casal no recebeu prontamente, estava em vias de descer para o hall, mas, ainda assim, nos convidou para uma dose de licor. Entramos no apartamento e nos surpreendemos com a singeleza do local, quase franciscana, sem nenhum adorno expressivo, ou requinte de enxoval. O tamanho era padrão para Hong Kong, algo perto de 20 metros quadrados. Bueno, pensei,,, em se tratando do Requião, que pratica hospedagem nos hotéis da rede Ibis, estava de bom tamanho.
Mas, logo, logo, descobri que a suíte presidencial em que me encontrava havia sido reservada para o governador, e paga por algum anônimo membro da comitiva, enquanto que o aposento no qual o Requião se encontrava, era o que a empresa de turismo havia me destinado. Preferi ficar calado, não passei recibo e, no check out do Hotel, perguntei ao Requião: “E, então, governador, gostou das acomodações? Ele, de pronto, respondeu: Sim, ótimas, melhor impossível.
A viagem seguiu o seu curso, mas resolvi antecipar o retorno ao Brasil, me desligando da comitiva. Requião, mediante os trâmites legais, havia escolhido como Secretário de Segurança um delegado da Polícia Federal, de sobrenome Favetti. Em face disto, e do exacerbo das compras de Dona Anna, de baixo valor, mas de grande volume, resolvi não correr riscos de apreensões na alfândega. Assim, pedi ao governador que solicitasse ao Favetti algum apoio informal na minha chegada à aduana, em São Paulo. Requião se dispôs de pronto, com largo sorrido, demonstrando boa-vontade. E, assim, voamos para São Paulo, com enorme tralha de bugingangas e amor-próprio almofadado pela eventualidade da “impunidade”. Na chegada, fomos imediatamente identificados por agente da Polícia Federal, que nos conduziu a uma sala reservada. Achei que dali fosse direto para o ponto de taxi, rebocando a tralha. Mas, não foi bem assim. A bagagem foi criteriosamente revistada, com todos os itens colocados sobre uma bancada de madeira, notas exigidas, várias apreensões feitas e com exigência de pagamento dos impostos respectivos, além de multa. Uma lástima, mas sobrevivemos.
No dia seguinte, em casa e livre dos sobressaltos da viagem, recebi telefonema do Governador Requião. “Bom dia, Caio, disse ele, em tom festivo. “E, aí, correu tudo bem na alfândega? Foi bem recebido?” Ao que respondi: “Sim, governador, muito obrigado pela gentileza, foi tudo ótimo, melhor impossível.”