Olá.

          Chamam-me de Paixão. Às vezes me confundem com o Amor e outras vezes com o Desejo Sexual, mas nunca com a Amizade. Na verdade eu não me dou bem com a Amizade, na verdade sou inimiga dela. Costumo atrapalhar esta minha prima. Aliás, quando posso eu a destruo. Quando ela é forte consegue sobreviver e tenta reparar os estragos que costumo causar. A Amizade, para mim, nem sequer é um sentimento, ela é uma situação na qual, tanto eu quanto o Amor gostamos de habitar. Eu bagunçando um pouco as coisas e ele tentando consertar.

          Mas se existo é por que sou útil, claro. Basta aos  mortais saberem me utilizar direitinho. Olhe, quando estou boazinha, dou espaço ao Amor e juntos vamos formar parceria com o Desejo Sexual... É desta aliança que a humanidade se utiliza para se perpetuar, formar e manter a sociedade.

          O problema é que chego sem avisar. Nasço das mais infundadas possibilidades de relacionamento, surjo no coração dos desavisados, habito sem permissão no coração dos auto confiantes só para mostrar que ninguém ouse ser forte ou valente em matéria de sentimentos.

          Quantos inimigos eu já uni... Quanta perna de valentões eu já fiz tremer... Quantos oradores eloquentes eu já fiz gaguejar! Já cheguei ao ponto de levar os preconceituosos a admitirem suas fraquezas, pois descobri que para usá-los não é necessário que as raças sejam iguais, que os credos sejam os mesmos, que as ideologias se pareçam. Ando tão à vontade que me meto até na igualdade de sexo causando grandes embaraços. Mas eu sou assim, a Paixão...

          Por isto que sou um pouco temida. Os imbecis tentam disfarçar e dizem que eu sou o Amor. Coitados, às vezes sabem diferenciar, mas apenas querem se enganar ou enganar aos outros. Mas Amor é Amor, Paixão é Paixão. E nas tantas diferenças entre mim e meu primo rico uma só já é suficiente para saber quando é ele e quando sou eu...

          Meu primo rico, o Amor, ele é cheio de virtudes enquanto eu tomo algumas emprestadas mesmo sem saber usá-las. Por exemplo, o Amor é paciente. Eu não tenho a menor paciência. O Amor é beningno, só quer o bem. Eu já quero por bem ou por mal. Meu primo rico não se envaidece. Já eu, quanto mais vaidosa melhor. O Amor quer sempre a felicidade. Eu simplesmente quero. O Amor tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Eu só creio se puder ver, não aguento esperar e só suporto as coisas quando elas me satisfazem.

          São estas as diferenças básicas entre mim e meu primo. Mas por que ele é rico? O Amor é rico por que suas virtudes o fazem ser assim. Já eu, nada tenho por que desperdiço em me satisfazer. Mas eu tenho uma coisa boa. Sabe qual é?

          A coisa boa em mim, a Paixão, é que eu passo, vou embora. Como chego sem avisar e entro sem permissão os sábios me acolhem e não me deixam fazer estragos, se utilizam de mim para criar a Amizade, unem-a ao Amor e me deixam por ali, inutilizada. Mas apenas os sábios. Quando as coisas dão certo e o relacionamento tem determinado rumo eu fico fazendo parte da parceria, se não, eu caio fora. E quando minha presença se torna nociva, os sábios me descartam. O problema maior em mim é que costumo cegar até aos sábios.

          Mas não tenha medo de mim. Posso ter feito muitos sofrerem, mas o mundo não vive sem mim. Sirvo pelo menos para fortalecer as estruturas do coração humano. Dos sábios...

          Por tudo isto não julgue nem condene os apaixonados, os que se deixam levar por mim, pois como já disse, eu chego sem avisar. Entro sem permissão, luto para ficar e parto sem aviso prévio. Costumo ir e voltar várias vezes para um mesmo coração. Muitas vezes sou suave e gostosa, outras vezes sou muito forte, estonteante e avassaladora. Muitas vezes promovo a Paz, outras vezes causo a Guerra. Já servi para a união, mas em contrapartida separei muitas pessoas, reinos, enfim. Eu sou assim...

     Aguarde-me. Logo, logo chegarei batendo à porta do seu coração.

 

A Paixão