Absurdamente estranho
Há um dia na semana dedicado à estranheza. Um dia em que a gente acorda e lamenta estar a mais de cem mil quilômetros do deserto da Mauritânia, em que a gente se sente o mais estrangeiro dos estrangeiros estrangeirados, em que um clipe solto no asfalto da sala nos faz parecer o mais desorganizado dos sujeitos.
Esse dia poderia ser perfeitamente segunda-feira, não fosse seu lado laboral. Poderia ser as burocráticas terça, quarta, quinta, sexta-feiras, e até sábado, não fosse seu lado festivo e solar. Poderia, não fosse domingo, o absurdamente estranho do-min-go.
Domingo existe, e isso é prova de que Machado de Assis tem razão: tudo é possível. Não só possível, como praticável. Aos que sobrevivem aos domingos, as batatas, pode-se dizer, parafraseando um dos personagens machadianos mais dominicais.
Do-min-go-é-um-di-a-ab-sur-da-men-te-es-tra-nho, não apenas porque é domingo e a presença metálica de um clipe solto no asfalto da sala é capaz de nos conduzir a sentir-se tão desorganizados, mas principalmente porque domingo demora passar. Parece, às vezes, ter 48h e vir de ré.
Por um lado essa letargia dominical é até bom. A gente envelhece mais devagarzinho, percebe o lento passar das horas, exercita a memória numérica, ao constatar que um minuto ainda é composto por sessenta segundos. Acha até, espantado, tempo para afastar a poeira de livros nunca lidos, tempo para consultar o horóscopo, aparar as unhas, bocejar, varrer a casa, olhar para as tomadas de casa e chegar à conclusão de que a maioria delas tem três pinos...
Daí em diante, vem o lado absurdamente estranho do domingo. A proximidade das segundas-feiras; a volta dos dias anormais de 24h; as manhãs com Fátima Bernardes; as balas perdidas; a Guerra Rússia x Ucrânia; o aumento no preço da gasolina; a gordura trans ou saturada. E só então se percebe que domingo não é apenas um dia absurdamente estranho, mas humanamente legal.