CRIME NO OUTONO
Estou tento muita dificuldade para dar uma faxina completa na minha alma. De alguns cômodos eu perdi a chave. Em outros estou completamente sem acesso.
Houve um tempo em que me apaixonava por pessoas. Algumas delas tornaram-se inquilinas em mim. Pediam para ficar por uma noite, depois por uma semana, um mês, isto quando não era eu que insistia, tiranicamente, para que elas ficassem ao menos até que terminasse o outono. Dava certo. Então quem ficava o outono, acabava ficando o inverno também.
Mas na primavera eu sempre ficava só. Minha alma não tem jardim suspenso, apenas o tumulto de uma Babilônia. Nem sei se Babilônia era tumultuada, mas ficou registrado na minha memória afetiva que Babilônia é sinônimo de bagunça.
Uma destas pessoas recebeu de mim o carinhoso apelido de Abacatinho. Ela me lembrava do meu primeiro beijo sobre os galhos de um velho abacateiro. Ela foi um destes casos que começava no outono e se estendia enquanto frio houvesse. Abacatinho ficou comigo durante a temporada de festas juninas e exposições agropecuárias pela nossa região.
Com medo de perdê-la na primavera, eu a sequestrei e prendi aquele frutinho tão gostoso em um dos cômodos da minha alma. E confesso que depois da amnésia que tive, não me lembro onde é o seu cativeiro. Meu temor é que Abacatinho tenha apodrecido, pois não me lembro sequer quanto tempo faz.
Acho que cometi um crime. Mas foi um crime perfeito. Crime de Outono. E não sei a quem pedir perdão e nem sinto necessidade. O remorso se foi com as folhas. A neve soterrou com seu frio o que havia de calor no sangue de qualquer corpo aprisionado.
Mas aprendi que quando se tira a liberdade de alguém, a da gente vai junto. Eu não me lembro realmente onde fica o cativeiro de Abacatinho dentro de mim. Mas desconfio que eu estou no cativeiro da loucura. E uma voz marreta constantemente em minha cabeça: nunca sequestre nada do outono.