Duas e seis          

                                                                               

Deitam-se afastadas.

A primeira letra dos nomes de batismo não permite a intimidade.

Ao feminino se admite andar juntas, dando-se as mãos.

A menor carrega a mala do radicalismo.

A maior pondera. – Pegue leve, somos sinônimas.

     Dorme o rebanho de pães congelados.

     O Padeiro ouve louvores, preces de misericórdia.

     Abre-lhes fenda no dorso, unge de fé.

     No forno douram ou estorricam sob aboio e comoção.

A criatura pertence a cadeia animal.

Cobre a pele por higiene, menos para esconder a vergonha.

Disfarça o pertencimento ao reino, calcifica e preserva os pecados sob o tapete do tempo.

Mão de obra, único problema, estende raízes no varejo entre guerras santas e lutas de classes.

Onde houver duas; uma manda, outra obedece, uma terceira vigia e explora ambas.

– A civilização é um negócio coercivo. Não existe almoço grátis, completa o adágio inglês.

A questão reside no preço, a moeda é parte do segundo bem, pago em troca pela segurança.

Freud ajuíza; – É muito menos difícil experimentarmos a infelicidade.

Goethe corrobora. – Tudo se suporta nesta vida, menos uma sucessão de dias bons.

O lançamento é precário, a oferta não atende a demanda,

o controle de qualidade acumula complexidade,

a defesa do consumidor quando permitida se resume a um voto.

A tragédia humana se cristaliza pelo ópio da fé,

com duas e o assenso da crença, com seis;

quase perfeitas irmãs sinônimas.

 

Publicada na revista eletrônica Raso da Catarina e na coletânea Concerto de Palavras.