MEMÓRIAS DE UMA RUA

Hoje, chamam-na de Rua das Flores. Muito diferente, nem calçadão tinha, contudo, continua bela.

Jaime Lerner transformou-a, mas, na memória guardo lembranças daquela velha Quinze de minha juventude, com seus paralelepípedos lustrados pelo tempo e suas calçadas de petit pavet.

Na Quinze de tempos idos havia menos corre-corre e mais alegria. À noite, as famílias a percorriam para ver as vitrines. Sim, não havia a necessidade de baixar as portas de aço para blindar os estabelecimentos da turma de amigos do alheio.

Na antiga Quinze, sem calçadão, os automóveis passavam em marcha reduzida. Garotas e rapazes flertavam em câmera lenta. Nas saias dois dedos acima do joelho, o cúmulo da ousadia.

Pairava delicioso aroma do café no ar. No “Senadinho” circulava a fina flor da intelectualidade curitibana e, democraticamente, as figuras mais populares da Urbe.

Nela e na “João Pessoa”, hoje Luiz Xavier, pululavam cinemas. Ritz, Palácio, Avenida, Ópera...

Ah! Velha Quinze! Reduto das novidades, junto com a Boca Maldita. Fake News? O que é isto? Lá, tudo verdade. Todos muito bem informados.

Quase impossível separar a velha Quinze da “menor” Avenida do mundo, título jamais confirmado. Umbilicais. Por elas circulavam os personagens do poeta maldito Dalton Trevisan: cafetinas, prostitutas, malandros, quem sabe até a barata com caspas na sobrancelha.

Paulo Leminski tinha como lar a velha Quinze e seus arredores. As mesas dos bares serviam como escrivaninhas. Nelas, entre copos e cinzeiros, tecia seus versos nos guardanapos:

“Quando o mistério chegar, já vai me encontrar dormindo, metade dando pro sábado, outra metade, domingo”.

Na velha Quinze, a Confeitaria das Famílias exalava o perfume de seus folheados recheados com nata.

Na Schaffer a coalhada fazia parte do lanche a qualquer hora do dia. O cafezinho com creme chantili auxiliava a matar o frio.

Tirar foto três por quatro ou da família? Foto Brasil, sem dúvida, onde os irmãos Jacobs e de Isaac Kriger esmeravam-se na qualidade dos retratos.

Na Velha Quinze a sorte oferecia-se aos transeuntes: “Olha a borboleta” gritava insistentemente dona Terezinha. Quando passo na Quinze, esquina da Monsenhor Celso, parece que ainda ouço sua voz ecoando nas calçadas.

Ah! Velha Rua Quinze! Que saudades de você e dos tempos idos. Quisera novamente poder percorrer suas esquinas remoendo velhas lembranças de minha juventude e, quem sabe, assistir um velho filme com Bob Hope ou Shirley MacLaine nas telas do Ritz.

CLEOMAR GASPAR
Enviado por CLEOMAR GASPAR em 16/06/2022
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