Walter e Léo
Não pensem que vou falar de personagens de uma dupla sertaneja. Não! Não! Vou falar de duas pessoas nas quais vi certa afinidade, certa maneira comum de vivenciar o cotidiano.
Walter era meu pai, o sujeito mais despretensioso que conheci. Brincava muito (e gargalhava) com a pequena fama que tinha no bairro. Frequentador da pracinha, contador de piadas curtas e repetidor dos próprios jargões, ria-se da falta que os amigos sentiam quando ele desaparecia. “Ainda não vi o Walto” virou um jargão conhecido depois que o Walter ficou sabendo que um amigo – mais idoso que ele (o Juvenal) – ficava lamentando daquela forma o sumiço dele por alguns dias. Meu pai se encarregou de ir repetindo a frase, que virou uma espécie de saudação quando os companheiros de praça e bar o encontravam.
Certa vez, meu pai estava longe de casa e apeou do ônibus. Alguém distante fez a conhecida saudação, e meu velho chegou em casa rindo-se daquilo e dizendo que estava famoso até lá em Benfica, um bairro bem distante daquele em que morávamos.
Walter, se teve seus defeitos, certamente não se credite a ele o egoísmo. No exército, chegou a cabo e fez concurso para sargento. Era exímio telegrafista; várias vezes o presenciei na habilidade tátil e auditiva , despachando e recebendo trens da Leopoldina, na estação ferroviária. E no exército ele ensinou sua técnica para os que concorriam com ele ao cargo de sargento. Pelo jeito, ensinou muito bem.
– Ensinei e fui o último classificado – dizia ele, gargalhando, e somava:
– Mas fui bom professor...
Certamente, que houvera outros testes, que o impediram de passar. Mas ele se lixava por se justificar. Frisava aquele fracasso como se tivesse sido um fracasso no que ele mais sabia, que era telegrafar... Nesse sentido, era um pouco desses personagens que passam pela vida rindo-se dela e que, quando se vão – cedo ou tarde – parecem muito felizes, sem mágoas.
Meu pai fora um autodidata, que chegou a chefiar estações ferroviárias com os conhecimentos da vida. Fazia contas com muita facilidade e tinha uma voz grave muito agradável. Uma voz marcante. Marcante, para mim, para nós, parentes e amigos. Ao telefone, sua voz era de locutor. Marcante.
Já o leitor, antenado em transmissões esportivas, pode estar vendo aonde quero chegar. Outro dia assisti ao ‘Conversa com o Bial’, que entrevistou o famoso apresentador de esportes Léo Batista, de voz marcante, na descrição do narrador esportivo Luiz Roberto. E o senhor Léo me permitiria repercutir um pouco a entrevista?
Léo transpira simplicidade. Em dado momento, ele parece surpreso com a adjetivação para sua voz. Bial explicou que o epíteto se deve ao fato de ele ter falado para gerações que hoje estão no rádio e na tevê e tiveram aquela voz marcada em suas memórias. Eu era criança e, aqui na minha terra, a antiga TV Rio nos informava na voz de João Baptista Bellinaso Neto, que é o Léo, na certidão de nascimento.
Já eu tinha ouvido outras entrevistas com o Léo. Despretensão pura. Em dado momento, ele minimiza seu saber. Um saber, creio eu, tenha vindo de poucos estudos regulares, pesquisas, enfim de esforços autodidáticos, que o conduziram a levar, com muita competência, da notícia mais séria à mais leve, como a infelicidade de um goleiro no frango.
Léo Batista noticiou, em primeira mão, o trágico suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954. Bial imaginou que, naquela hora, Léo teria pensado na importância histórica daquela notícia, mas Léo foi sincero e disse que não; ele apenas tinha lido, sem maior preocupação de notoriedade.
Na saborosa entrevista, Léo fala do Botafogo – sua paixão –, da intimidade com a língua italiana, em que chegou a cantarolar, e da crônica de Nélson Rodrigues, que elogiou o narrador no início, mas fechou dizendo que era um perigo tomar carona com Léo Batista. Ah, teve um pouquinho de tristeza também... Léo perdeu a esposa e a irmã, recentemente. Mas Bial passou meio batido; fez bem.
Já repararam? Por trás da fala do Léo, quando narra esportes, há um certo sorriso, uma certa alegria... E talvez, por isso, também, Luiz Roberto, a voz do Léo seja marcante. Léo fala sorrindo. Alguém mais?
Bem, acho que vou parar. Até porque Bial estava elogiando demais, e o Léo disse que, daquele jeito, poderia até ir às lágrimas, e olhem que ele vai fazer 90 anos, em 22 de julho. Vida longa para ele!
Walter e Léo, para mim vozes marcantes – cada um à sua maneira.