Cartas de Salamanca - O Código de Saulo Ramos
O Código de Saulo Ramos
Findam as férias e já estou eu aqui, de volta à rotina de estudos na velha e bela Salamanca. E, portanto, muitas coisas poderiam ensejar esta missiva: encontros e reencontros mossoroenses; impressões sobre as mudanças observadas na terrinha, após ano e meio distante, enfim, assuntos mil. Mas, repetindo o que aconteceu em minha ida, quando, em véspera, recebi de meu amigo Mario Silveira, direto de São Paulo, o romance Viva Te Coso, Morta Não — de autoria de Augusto Ferraz de Arruda, e o “devorei” durante a viagem, cuidei em selecionar a “companhia” da volta, pois bem sei que Vilani e Alice sempre dormem logo após a decolagem do avião e eu fico à mercê daqueles enlatados de bordo.
Dias antes do retorno, entre um mate gelado e um café, no papo da livraria Café e Cultura, sou presenteado pelo amigo e memorialista Francisco Rodrigues da Costa com o livro Código da Vida, de autoria do jurista Saulo Ramos, recentemente lançado pela editora Planeta. Os comentários de Chico de Neco Carteiro — tratamento este que muito agrada a Francisco, pois o remete à sua infância areia-branquense — sobre a autobiografia do festejado causídico já me fizeram elegê-lo para compartilhar comigo as horas da travessia do Atlântico.
Bingo! Como diria o próprio Saulo Ramos, em face a uma escolha acertada.
O livro realmente desobedece as “obviedades da estrutura tradicional das biografias”, como assinala o editor Pascoal Soto, em texto para as “orelhas”. E talvez aí resida um grande atrativo à leitura da obra, ou seja, a capacidade que o autor tem de entremear sua fecunda trajetória de vida com histórias e casos jurídicos, ou, mais especificamente, um caso que permeia todo o livro e que, por si só, tem o condão de despertar a curiosidade do leitor para seu desenlace.
Saulo Ramos é, indiscutivelmente, uma das grandes figuras do mundo jurídico contemporâneo. Advogado renomado, cujos pareceres servem de doutrina em quaisquer das instâncias jurídicas de nosso país, exerceu a Consultoria Geral da República e o Ministério da Justiça. De sua convivência nos altos escalões, surgem intrigantes revelações de bastidores.
Um outro aspecto interessante do livro é que Saulo retrata com mestria e eqüidade (no sentido de importância que aquilata) as suas conversas com figurões, como José Sarney ou Paulo Brossard, e sua participação na comissão julgadora de um encontro de repentistas nordestinos. Por sinal, neste segundo ponto, somos parceiros, pois também nutro admiração pela poesia popular e, como prova, ganhei de presente nesta viagem, e trouxe em minha bagagem, um CD do XXIV Congresso de Repentistas, ocorrido em Mossoró, para saboreá-lo em minhas manhãs de domingo...
O livro revela um homem extremamente entusiasmado com as lides jurídicas. Paixão mesmo, como ele diz a certa altura. Outros caracteres são desnudados, como sua juventude poética ao lado, entre outros, de Paulo Bomfim (entrevistado da edição anterior da Papangu) ou mesmo sua amizade com o grande Guilherme de Almeida.
Existe uma certa acidez do autor quando o assunto é o momento político atual. Críticas contundentes e um desencanto com a maioria dos nossos dirigentes podem ser vistos como certo desabafo de quem, do alto de sua experiência, assiste a nossas instituições serem corroídas por tantos desmandos.
Bem, do livro apenas uma reclamação: às folhas tantas, relembrando um Congresso de Direito Constitucional de que participou aqui em Salamanca, Saulo Ramos fala de um restaurante que aqui servia um delicioso cochinillo (leitãozinho) e não revela o nome do dito restaurante... Confesso que fiquei curioso, mas só me resta esperar por uma dessas coincidências que somente os códigos da vida revelam.