Quando o Sapo não Vira Príncipe
Eu tinha uns treze anos, era tardezinha de carnaval, mesmo chuviscando, eu decidi dar um rolé com a roupa de bate-bola que eu tinha ganhado de segunda mão. A máscara e a bexiga eram novos, minha mãe tinha comprado…
A chuva aumentou, daí eu me abriguei na Galeria Castelo Branco (O Beco), tinham dois moleques lá quando cheguei. Eles começaram a puxar assunto, de repente um deles meteu a mão na minha máscara, e outro na bexiga, e saíram correndo, corri atrás deles sob a chuva que ainda caía forte, mas eles foram mais rápidos e não os alcancei. Voltei para casa com a roupa de bate-bola encharcada de chuva, e os olhos encharcados de lágrimas…
No caminho eu encontrei o meu amigo André (nome fictício), o seu apelido era Sapo. Eu e o Sapo tínhamos a mesma idade, a minha vida era difícil, mas a dele era muito mais. Ele morava de aluguel numa avenida de quitinetes mal conservadas, para sustentá-lo, sua mãe fazia programas num conhecido prostíbulo do bairro. Ele apanhava muito, da mãe, dos moleques da rua e até de mim…
A mãe do Sapo era mãe solo (como a maioria das outras mães da rua), o pai dele trabalhava como segurança das lojas e do clube Vasquinho de Morro Agudo. Diziam que ele, o pai, era homicida, talvez tenha sido por isso que ele foi assassinado precocemente…
O pai do Sapo (assim como o meu e o da maioria dos meus amigos) não ajudava sua mãe financeiramente, mas como "compensação", às vezes lhe dava uns trocados. No dia em que me tomaram a máscara e a bexiga de bate-bola, o pai do Sapo tinha lhe dado uns dez reais. Ele me deu os únicos cinco que sobraram para eu comprar outra bexiga, e ficou sem nada…
O Sapo se mudou da rua, e eu fiquei muito tempo sem vê-lo, soube que ele tinha sido preso. Quando o soltaram eu o vi de longe na rua, e acenamos um para o outro…
Eu arranjei namorada que morava num bairro que ficava há uns dez minutos de distância da minha casa. Quase toda vez que eu ia lá, havia um defunto pelo caminho, o pessoal dizia, na "boca miúda", que o autor desses homicídios era um tal de Andrezinho…
Um dia eu passei em frente a um bar, e adivinha quem eu vi? O Sapo, meu amigo de infância, eu lhe dei um pescoção, sacaneei, conversamos um pouco e ele foi embora. Quando ele saiu alguém falou: "Cara, tu é maluco de brincar assim com o Andrezinho?". Disseram que o meu amigo Sapo, o André, era o tal Andrezinho, o "dedo nervoso" da área, gelei...
Passado algum tempo o reencontrei numa loja. Pelo jeito de ele agir, sem olhar nos meus olhos, percebi que ele devia ter saído da cadeia recentemente. Nos abraçamos e nos despedimos, foi a última vez que eu o vi, meses depois que ele foi assassinado…