SOBRE OS VELHOS E A VELHACARIA DOS JOVENS

 

Ele estava completando 70 anos. As marcas dos tempos, das décadas, estavam bem delineadas em seu semblante. As rugas diziam da velhice que tomava forma e o corpo inteiro.

 

Os cabelos compridos, desajeitados, punham mais anos em seus ombros e esses já caiam além do que a idade requeria. O grisalho que pintava as mechas caídas rebeldes sobre os ombros, dizia do motivo dos cabelos crescidos, longos; era a rebeldia que chegara, tarde mas chegara, já que na juventude não pudera exercê-la. Não mesmo.

 

Ahhh os joelhos, as costas. Não fosse a fragilidade dos joelhos, já endurecidos e doloridos, até que a vida seria mais agradável. E as costas... dificultavam cada tentativa de agachar, dificultando sobremaneira todos os movimentos.

 

Mas isso é mal menor. O exercício da vida, a essa altura, já não requeriam, muito menos exigiam malabarismos, andanças e movimentos. Os tempos eram outros, exigindo mais cabeça e menos tronco. Ainda bem. O exercício da sabedoria não exigia esforço físico. Então, sem maiores problemas.

 

Problema mesmo era conviver com a discriminação disfarçada que os velhos tem que enfrentar todos os dias, em todos os momentos, em todos os lugares.

 

Problema mesmo, é encarar a avaliação hipócrita que os "jovens" fazem da sua capacidade pensante, quando apelam para o "hoje em dia" excluindo os velhos da realidade contemporânea, como se a vida dos velhos tivesse parado a décadas, como se não tivessem vivido intensamente toda a evolução dos tempos e com a capacidade de poder, muito melhor, avaliar, comparar, saber e usufruir de toda essa tida modernidade que o avanço unicamente tecnológico permite.

 

Do alto da velhaca soberba da maioria dos mais jovens, não veem, não enxergam a realidade da visão que os velhos detém, sobre o passado e o presente e com isso poder deslumbrar, com muito mais assertividade, o amanhã.

 

Não sabem eles, que os velhos tem o privilégio de poder viver muito melhor o presente com todo o desenvolvimento tecnológico, todo o conforto que a evolução permite, eis que sabem e podem comparar o ontem e o hoje e assim viver e valorizar mais intensamente, mais reconhecidamente, o hoje.

 

Isso tudo, contudo, é café pequeno. É chato sim, mas compreensivo. Aprendeu o velho, que a malvadeza cria dificuldades para vender facilidade. Aprendeu que aquele que não se valoriza, vive a desvalorizar outrem, para não se parecer tão sem valor. Aprendeu tanto, que mais nada lhe surpreende e o silêncio que prevalece em seu saber não é falta do que dizer e conhecimento sobre o que diz, mas simplesmente não se dispor a gastar velas com defuntos ruins.

 

E sossegadamente, com a calma que a sabedoria constrói, fala-me ele sobre as grandes alterações com que se passa a encarar as emoções na medida em que o tempo vai transcorrendo, principalmente sobre a poesia. Não necessariamente as poesias escritas, descritas, os poemas, os versos e as prosas gramaticais e sim da poesia que existem no redor de tudo e todos.

 

A transformação por que se passa, na medida em que o tempo passa, a vida caleja e esclarece melhor os valores, sobre os sentimentos, a intensidade e o mote que motiva e gera as emoções, a exemplo do amor, da raiva, da indignação, etc. etc.

 

Ainda não cheguei aos 70, que apenas se aproxima, mas da mesma forma com que, ainda quando menino, adolescente, jovem, já adorava conversar com as pessoas idosas, através do que muito aprendi, muito evoluí, muito amadureci e ainda hoje tenho como umas das melhores coisas que faço é conversar, escutar os velhos, que sei é onde mora a sabedoria que tanto buscamos.

 

Ainda bem que os jovens terão a oportunidade envelhecer e de relembrar - arrependidos - a soberba de outrora.

 

Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 14/06/2022
Reeditado em 29/06/2022
Código do texto: T7537589
Classificação de conteúdo: seguro