Dia dos carros de som e da opinião pública
Como a maioria dos casais e todo o Comércio sabem, hoje é domingo... Não, não e não. Três vezes não! Pois é de conhecimento geral e da opinião pública que hoje não é domingo, tampouco parece domingo.
A maioria dos casais e todo o Comércio, além da opinião pública, claro, todos sabemos que hoje é dia dos namorados (com iniciais minúsculas mesmo: licença ortográfica pessoal), e por ocasião da data, me vem à lembrança o caso de um amigo que, para demonstrar seu amor pela namorada, em um dia dos namorados não muito distante, fez uma tatuagem no corpo com o nome dela.
A moça chamava-se Morgana e, segundo a opinião pública, era feia. Mas meu amigo não se incomodava com esse detalhe. Afinal, segundo a opinião pública, ele era (e é, hoje ainda mais, por conta da calvície) mais feio que Morgana. Lá se vão quase dez anos, e, em desacordo com a opinião pública, Morgana, o feio e a tatuagem em forma de coraçãozinho com a inscrição "Morgana" ainda estão juntos.
Tatuar o nome da namorada no corpo foi o modo mais intenso e prático que meu amigo achou para presenteá-la. Homenagem de alto risco, principalmente se fosse nos dias de hoje, com a inflação atual, as redes sociais, o metaverso, a opinião pública...
Hoje a relação entre eles poderia, em razão da ordem natural das coisas, da opinião pública, poderia mais facilmente declinar, e então meu amigo teria de bolar um modo de remover a tatuagem ou encontrar outra namorada de mesmo nome da anterior.
Não sei qual dos dois desafios seria mais difícil de cumprir. Talvez tivesse sido menos oneroso e igualmente funcional o aluguel de um carro de som associado a um buquê de rosas vermelhas e ardentes.
A opinião pública acha brega usar carros de som para declarações de amor, mas tem coisa mais brega que a opinião pública?
Então meu amigo faria igualzinho fez esse rapazinho vestido em forma de coração, buquê de rosas vermelhas e ardentes na mão, que acaba de declarar seu imenso amor à namorada, às 9h da manhã de um dia 12 de junho, por meio das ondas expansivas e agudas de um carro de som alugado.
Meu amigo, igualzinho fez esse rapazinho vestido em forma de coraçãozinho, alugaria um carro de som, prepararia uma mensagem sentimental e afetiva, pararia em frente à casa da namorada e leria a mensagem ou, o que é menos recomendável, como fez esse rapazinho apaixonado, a declamaria de cor, confiando na memória. E correria o risco de, tal qual esse adulto apaixonado, gaguejar de monte, trocar palavras, engolir virgulas e trocar o nome da atual pelo da ex...
Mas esse engano seria mais fácil e menos doloroso de remover que uma tatuagem. Bastaria atribuir o ato falho ao calor do momento, ao fato de nosso alfabeto ter apenas cinco vogais e vinte e seis letras... Então poderia, sem remorso algum, abraçar a namorada em público e quem sabe até beijá-la, inclusive com a autorização da opinião pública.