Namorar ou ficar
(Dia dos namorados)
1. Um dia, no meio de uma festa de casamento, uma mulher, muito querida, fez-me esta pergunta: "Amigo, namorar, agora, é ficar? Não se namora mais? Fica-se?". Achei pertinente a indagação da Ermelinda, nome que lhe dou, chamando-a para esta crônica que escrevo no "Dia dos namorados".
2. Eu mesmo, nos dias de hoje, quase não ouço alguém dizer que fulano é seu namorado e que sicrana é sua namorada. Os jovens sempre me dizem, com a maior naturalidade, que estão "ficando" e não "namorando". Prometi à amiga que amanhã responderia sua pergunta; amanhã que durou uma semana, e digo porquê.
3. Um tanto desatualizado, achei que, respondendo à indagação a queima roupa, poderia cometer uma imperdoável leviandade, nunca esquecido de que minhas crônicas também são lidas pelos jovens. E este é um assunto que, sem a menor dúvida, lhes interessa. A meninada, hoje, é ligada. Os celulares estão aí lhes ensinando a lição.
4. Algumas pesquisas não muito aprofundadas, mas responsáveis e esclarecedoras, deixaram-me em condições de dar uma resposta plausível à minha amiga Ermelinda, que me telefonou o tempo todo cobrando uma resposta. Ermelinda que soube estar namorando (ou ficando?) com o Gabriel, neto de meu amigo Jozino com "z"; ele faz questão desse "z". Igual à escritora Rachel de Queirós que não admitia ser Raquel. Seu Rachel seria sempre com "ch".
5. Perguntei aos dicionários, e tenho alguns, por que "ficar" é, agora, sinônimo de "namorar". No de Houaiss, encontrei que "ficar é namorar sem compromisso". Repito: "namorar sem compromisso".
Pra mim, ficar é um querer passageiro. Diferente de namorar, que para este jurássico cronista, dá uma idéia de permanência e de segurança. Pelo menos enquanto durar.
Pode ser uma tese absurda, a minha, mas é como pensa um cidadão do tempo em que, como disse alguém, uma simples flor valia mais do que uma corbélia. Foi como respondi à amiga, na sua justificável sofreguidão.
6. Mas, se "ficar" ao invés de "namorar" é como os jovens gostam, que assim seja. Uma advertência: o importante é que, "ficando" ou "namorando", o AMOR esteja sempre presente. Porque o "Dia dos namorados" também podia ser chamado de o dia do amor. Santo Antônio está aí pronto para abençoar os namorados e os ficantes. Sejam eles pretos, brancos, homossexais, meretrizes et cetera, et cetera.
Amem-se. Não percam tempo. Carpe diem!
7. Busquei, entre os poetas do meu tempo de rapaz - tão distante já! -, um vate que me emprestasse suas rimas para, recitando-as, abraçar os namorados. Os poetas, mais do que ninguém, sabem cantar o amor. Olavo Bilac (1865-1918) emprestou-me as suas, neste lindo soneto:
"Repousando em teus seios
Lá fora, a voz do vento ulule rouca!
Tu, a cabeça no meu ombro inclina,
E essa boca vermelha e pequenina
Aproxima, a sorrir, de minha boca!
Que eu a fronte repouse ansiosa e louca
Em teu seio, mais alvo que a neblina
Que, nas manhãs hiemais, úmida e fina,
Da serra as grimpas verdejantes touca!
Solta as tranças agora, como um manto!
Canta! Embala-me o sono com teu canto!
E eu, aos raios tranquilos desse olhar,
Possa dormir sereno, como o rio
Que, em noites calmas, sossegado e frio,
Dorme aos raios de prata do luar!..."
8. Que os namorados e os ficantes troquem meigos e sinceros abraços e fartos beijos, na alcova ou fora dela.
E, se for o caso, que levem em conta o que disse Carlos Drummon de Andrade nestes seus belos versos: "O chão é para o amor urgente,/ amor que não espera ir pra cama./ Sobre tapete ou duro piso, a gente/ compõe de corpo a corpo a úmida trama./ - E para repousar do amor, vamos à cama".
Namorados e ficantes, sufocai, com mil xeros, aquele ou aquela que, neste 12 de junho de 2022, esteja no seu coração; não importa, se apenas de passagem...