OS BAILES DA VIDA

Nasci em João Câmara – uma cidade encravada no interior do Rio Grande do Norte, localizada a cerca de 70 quilômetros da Capital do Estado. A cidade, que cresceu e hoje é conhecida como a “Capital do Mato Grande”, se notabilizou no cenário internacional devido a infinidade de abalos sísmicos registrados em único dia. A JC de hoje guarda poucas marcas do lugar do meu nascimento e onde iniciei meus primeiros passos dentro da vida. Mas conservo boas lembranças do lugar. De hábitos simples e pacatos, como em toda cidade de interior, sua rotina, pelo menos no meu tempo de criança, era quebrada somente aos sábados, por ocasião da feira livre realizada no meio da praça central e por ocasião das festas. A feira era um grande acontecimento, porque recebia comerciante de várias partes do Estado, se constituindo em uma das maiores realizadas no RN.

A rotina da cidade ainda quebrada durante as festas realizadas nos salões do Baixa-Verde Esporte Clube (BVEC), animadas inicialmente pela Banda de Música local, que hoje leva o nome de Manoel Rafael de Freitas, um dos maiores amigos do meu pai. A Banda, aliás, era formada por grandes amigos das famílias mais antigas do município, como Boneca, Bi, Geraldo Alves e o meu pai, Agostinho Florêncio, entre outros. A maioria deles, hoje, faz parte de uma grande orquestra celestial.

Criança ainda, tive a grande oportunidade de aprender e conhecer música de qualidade, graças aos eventos festivos dos quais participava e onde a Orquestra tocava, brindando a todos com a excelência das melodias tocadas. No auge da minha adolescência, as festas passaram a ser animadas por Grupo Musicais e um dos mais assíduos nas festas do Baixa-Verde Esporte Clube, era o Grupo Verdes Canaviais, de Ceará-Mirim.

Eu gostava de apreciar os casais dançando, embalados no ritmo ditado pela música. Era um tempo bom, em que os jovens não precisavam se embriagar para conhecer o sentido da expressão “se divertir”. Pelos salões daquele clube foram iniciados muitos romances, que depois se transformaram em casamentos duradouros.

Os bailes do BVEC também revelaram inúmeros “pés de valsa” – pessoas que faziam da dança, uma verdadeira poesia. Guardo na lembrança alguns destes dançarinos maravilhosos, como o meu tio, Ademar Lira, João Bala, João Batista Ataliba e Chico Barros – todos de saudosa memória. Da geração mais nova, figuram nomes como os irmãos Aniceto, Jonas Câmara, Jandira, Conceição Bezerra, Joãozinho Lacerda e Mazinho, entre outros.

Vivi e apreciei uma época em que dançar, era uma arte praticada por homens educados, gentis e atenciosos. Convidar uma moça para dançar, era um belo ritual, através do qual poderia se iniciar uma conquista, um namoro e um futuro matrimônio. Inúmeros casamentos tiveram sua história iniciada em um salão de festas.

Homens elegantemente vestidos, peteados e cheirosos, convidavam as moças para uma dança, que poderia durar a noite inteira. Elas eram conduzidas pela mão, com cuidado e carinho até o centro do salão, onde eles a pegavam, delicadamente pela cintura e iniciavam os passos inspirados pela música.

Para mim, a forma como as pessoas se comportam em um salão de festas, guarda uma enorme semelhança com aquilo que se é, na vida. O salão, na minha visão, é a própria vida. A forma como um cavalheiro se aproxima de uma dama e a convida para dançar, mostra a profundidade do seu caráter.

Assim, a forma como ele faz o convite, é a forma como vai se dirigir a ela ao longo da sua existência. Se consegue tomá-la nos braços e conduzi-la de forma elegante, gentil e segura, assim será a maneira como conduzirá esta mulher pela vida. Se em algum momento, ele erra um passo da dança e consegue rir deste torpeço, pede desculpas e continua a dançar como se nada tiver acontecido, será desta mesma forma que ele vai encarar os pequenos problemas na vida dos dois.

Um homem inteligente, um verdadeiro cavalheiro, ao dançar, jamais aperta sua parceira de dança de forma ofensiva e deselegante. Isto tira todo o brilho da dança, além de ser um gesto deselegante, desrespeito e descortês. Afinal, à medida em que os casais de dançarinos percebem que existe uma química especial entre eles, a aproximação surge de forma natural. Portanto, não há razão para atropelar as etapas durante a dança da vida.

Os tempos mudaram. Hoje, já não existem mais clubes como antigamente e os jovens já não se reúnem para dançar como no passado, o que é uma lástima. Os jovens da atualidade não sabem como exercitar a prática da conquista. Tudo é rápido, fugaz. De modo que, já não existe paquera, tampouco namoro. As pessoas se conhecem em um baile funk e já vão morar juntas, atropelando uma das fases mais bonitas da vida: o namoro.

A ansiedade de viver é urgente em tudo. Parece que a juventude da atualidade quer beber a vida de um único gole. Penso que é justamente por atropelar as fases da vida de maneira demasiadamente urgente, que existem tantos suicídios entre os jovens e tantos casamentos desfeitos após três meses. A juventude de hoje precisa urgentemente descobrir e participar dos antigos bailes da vida.