Precisar

Cheguei em casa às 22h de domingo, pensando que precisava muito dormir. Quando acordei na segunda-feira, às 08h, pensei que precisava muito comer - e tomar um banho, me arrumar e sair de casa porque precisava ir trabalhar.E fui trabalhar porque preciso de uma casa para dormir, comida para comer e banhos quentes.

No caminho, notei que precisava que alguém dirigisse o ônibus por mim. E mesmo se eu mesma pudesse dirigir o meu próprio ônibus, ainda precisaria de alguém que transportasse a gasolina até aqui, de alguém que trabalhasse numa refinaria e alguém que revendesse tudo no posto. Pensei bem e notei que preciso de pessoas para todas as coisas e que ainda que no meu mundo perfeito elas sejam invisíveis, seu trabalho é essencial para que eu consiga fazer o meu e assim, comer, dormir e tomar um banho.

Hoje fui cercada pela consciência da minha necessidade: eu nunca vou ser independente, pelo menos não de verdade. Eu posso até acumular bastante dinheiro e ser dona do meu próprio negócio, mas ainda assim precisaria de clientes. É um labirinto sem saída: nós precisamos das pessoas, das coisas, do tempo. Precisei que duas pessoas se amassem e quisessem me conceber para passar a existir - assim como todos os seres humanos, que precisaram vir a existência por meio de uma outra pessoa.

Nossa natureza humana é precisar - a natureza plena de Deus é autossuficiência, auto eficácia, auto existência. Deus só conhecer o “querer” - Alguém sem necessidades não pode ser movido por elas, apenas por seus próprios desejos - Desejos esses que, por sua vez, não podem estar corrompidos já que não partem de um lugar de desespero e muito menos, de maldade: a independência em seu estado puro e pleno.

Saber que Deus não precisa de nada me lembra que Ele não precisa de mim e não me deve, absolutamente, nada. Deus me deveria alguma coisa se algum dia eu tivesse feito algo realmente útil e necessário, que o salvasse de sua própria insuficiência ou suprisse uma falta qualquer. É impossível. A posição de precisar é exclusivamente minha e a de suprir, de maneira pura e que não tenha nunca dependido de um terceiro, é dEle.

Dizem por aí que viver em dependência é extremamente perigoso e deve ser evitado a qualquer custo: mas não se foge da verdade. A dependência nos lugares errados (drogas, no mais crível exemplo) significa morte, porque sufoca as reais necessidades de quem nós somos. A dependência natural de comida, afeto, teto e saúde nos lembra, nas ausências, de como somos frágeis e pequenos. A dependência verdadeira, em sua raiz, está em quem é a raiz de toda a existência: Deus. Nós dependemos de Deus, com ou sem crença, com ou sem vontade, com ou sem consciência. Dizer que não precisa de Deus é bradar aos ventos a própria ignorância e dar a oportunidade à natureza de uma boa risada.

Mas um Deus que não precisa de nada também não precisa de autoafirmação, a menos que seja seu desejo nos dar a honra da manifestação de Seu caráter nos lembrando, mais uma vez, o quão dependentes somos e nos acolhendo, por meio de Sua infinita graça, misericórdia e bondade.

Não há como esconder a pequenez e a humilhação diante dessas coisas - e a parte que me toca é saber que, disso, eu não preciso. A sinceridade dos joelhos vacilantes, das mãos marcadas e dos olhos com lágrimas me lembra que esse Deus se fez homem, na figura de Cristo, e sabe o meu lugar de depender.

Posso, por meio dEle, encontrar provisão às minhas necessidades - basta que diga o Seu Nome e ore por meio dEle.

A dependência do Deus bondoso é o lugar mais seguro dessa Terra.