O Inferno dos Passarinhos (ElusivaMENTE - memórias - pseudo-diário)
O dia de hoje amanheceu tão lindo lá fora, ensolarado (após tanta chuva), mas tão estranho aqui dentro, talvez seja por culpa minha mesmo, que acabo desconsiderando coisas essenciais, que deveriam ser sentidas, mas de vez em quando certas coisas, que aos olhos dos outros parecem triviais, acabam me derrubando. Para começar a contar, precisarei recapitular o ano de 2020. Então, senta que lá vem história (desta vez “história” mesmo, e não “estória”, pois o relato é real).
Bem, acredito que se tratava de uma quarta-feira, era por volta das 17:00 horas e eu estava sentada na cadeira do meu computador mexendo no celular antes de ir para o banho. Precisava entregar trabalhos nos próximos dias, então já estava separando o que deveria ser enviado e o que ainda precisaria de uma finalização. O meu quarto estava completamente fechado, janelas e porta, pois era por volta de julho e o frio que fazia era intenso (pelo menos para os meus termômetros pessoais). Entre cliques no calendário e no bloco de notas, fui surpreendida por uma forte batida no vidro da janela acima da cama. Achei que tratava-se de uma bolada dos filhos dos vizinhos e fiquei com as mãos trêmulas pelo susto e por imaginar o vidro quebrado e toda a dor de cabeça que seria ter de trocá-lo. Me levantei e fui até a janela. Como ela é um pouco alta (e eu baixinha), precisei subir na cama, e logo consegui ver o que havia acontecido. No telhado da casa, espremido e com os olhos entreabertos, estava um passarinho escuro, quase azul. Abri a porta externa do quarto e fui diretamente para a sacada, onde eu poderia alcançá-lo, mas quando cheguei perto, percebi que na verdade, meu braço não o alcançaria. Por isso, desci e peguei uma vassoura e um pote. O passarinho ainda se mexia, então decidi arriscar. Coloquei o pote ao seu lado. Com medo, ele tentou se afastar, mas como estava muito debilitado, não conseguiu. Aproveitei e puxei-o com a vassoura até o interior do pote. Ele urinou, possivelmente por medo. Depois disso, o coloquei em cima da mesa e tentei dar água, mas ele não aceitou. Com isso, decidi levá-lo ao meu padrasto, que disse que tratava-se de um Sabiá. Ele jogou água sobre a cabeça do pássaro, que em algumas horas voou sem nos darmos conta.
O tempo passou, nenhum outro passarinho havia batido novamente no vidro, até o dia de ontem. Era uma quinta-feira de março, eu estava tentando terminar um conto lá pelas 09:00 ou 10:00 horas da manhã, mas a escrita não tava fluindo e eu ficava cada vez mais estressada a cada minuto perdido. Quando, finalmente, o negócio deslanchou e eu consegui dar continuidade ao que precisava, ouvi outra batida, desta vez na janela da frente, que estava aberta, porém, ela não abre pra fora, mas sim, dentro de si mesma, com o vidro permanecendo nas laterais, tendo apenas o seu centro aberto. Na hora lembrei de 2020 e já imaginava que veria novamente um passarinho caído no telhado, mas não, me debrucei sobre a janela e vi, no pátio da vizinha, um passarinho morto, cheio de moscas. Supus que não seria o mesmo que havia batido no vidro, pois caso fosse, não teria moscas assim tão rapidamente. Meu padrasto estava entrando em casa e eu o vi. Falei sobre o passarinho que havia caído e chamei para ele subir até o meu quarto para ver. Ele fez pouco caso, disse que era apenas um passarinho, mas subiu. Quando estávamos descendo as escadas, percebemos que tinha outro passarinho, possivelmente o que de fato havia batido no meu vidro. Ele era pequeno, um outro Sabiá, e estava acanhado no portão. Dei água a ele e joguei um pouco sobre a cabeça. Em alguns minutos melhorou e saiu voando. O que havia caído sobre o pátio da vizinha, infelizmente estava morto mesmo.
Mas, a história principal não é exatamente essa. Como eu falei no início do texto, o dia de hoje amanheceu lindo. O sol apareceu tímido. Os dias anteriores foram chatos. Muita chuva e umidade. Não sei se isso acontece com todo mundo, mas nesses dias, meu psicológico não fica legal. Fico ansiosa, sem foco e tenho pavor de protelar, influenciada pelo tempo, minhas tarefas domésticas — como lavar roupas, por exemplo. Mas como acordei e vi uma luminosidade um pouco mais forte entrando pela janela, intuí que era o sol. Virei-me na cama, reparando que a temperatura estava ainda mais baixa e eu sentia frio. Puxei os cobertores e peguei meu celular para verificar mensagens e notificações esquecidas. Nesse momento, ouvi novamente outra batida daquelas. Pois é. Não sei o que anda acontecendo, mas outro passarinho havia batido no vidro acima da cama e ficara no telhado. Antigamente havia uma grande cortina nessa janela, mas tirei, pois apesar de ser uma grande janela e ter dezenas de vizinhos em volta, sou muito baixinha (é triste), podia trocar de roupas tranquilamente no quarto com tudo aberto, tendo a certeza de que ninguém conseguiria ver. Larguei o celular e espiei para fora. O passarinho estava piscando, era novamente outro filhotinho. Deu um aperto no meu peito, uma angústia. Nunca consegui compreender essa ligação tão forte com animais, mas de fato, eles conseguem me tocar em lugares jamais explorados por mim mesma. Fiz rapidamente tudo que precisava, vez ou outra, dando uma rápida espiada pelo vidro, mas parecia não ter mais jeito. Ao terminar, cerca de mais ou menos, 15 minutos depois, tive a resposta para as minhas dúvidas. O pequeno passarinho de fato estava morto. Peguei-o delicadamente com uma sacola de mercado, joguei um pouco de água sobre a sua cabeça, mas não adiantou. Nesse momento, bateu uma daquelas tristes reflexões que se a gente conta, as pessoas ao redor ficam nos olhando perplexas, sem conseguir ligar uma informação na outra. Mas na minha santa cabeça, o pássaro, simbolizando a liberdade, a leveza de ir e vir, serem usados durante anos como mensageiros e sobre todos os outros seres terem a vantagem de voar, e que morreu se chocando contra a minha casa, a minha janela, dizia mais. Como os velhos sábios já afirmavam: a primeira vez é acaso, a segunda é coincidência, e a terceira... bem, deixa pra lá. Dentro da minha mente algumas reflexões uniram-se, mesmo sem o meu conhecimento, e suscitaram uma forte tristeza sem explicação óbvia. Evocou a vontade de mudar algumas coisas, como por exemplo, dar início a esse “diário”, onde pretendo me colocar de forma mais intimista, e a possível recolocada da bendita cortina. Mas a tristeza ficou. Besteira minha. Mas possivelmente os passarinhos odeiam a minha casa.