MILTON NASCIMENTO
CLUBE DA ESQUINA
Nelson Marzullo Tangerini
Faz alguns dias, o disco (agora CD) “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges, gravado entre Belo Horizonte e Rio, em 1972, foi eleito o melhor trabalho da história da Música Popular Brasileira.
Participaram desse disco Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, Toninho Horta, Tavito, Nelson Ângelo, Rubinho, Alaíde Costa, entre tantos outras estrelas daquela grande constelação.
Tudo o que você podia ser, Cais, O trem azul, Saídas e bandeiras 1, Nuvem cigana, Cravo e canela, Dos Cruces, Um girassol da cor do seu cabelo, San Vicente, Estrela, Clube da Esquina 2, Paisagem da janela, Me deixa em paz, Os povos, Saídas e bandeiras 2, Um gosto de sol, Pelo amor de Deus, Lilia, Trem de doido, Nada será como antes, Ao que vai nascer são as músicas desse valioso trabalho.
Há muito queria escrever algo sobre esse disco, que causou um grande impacto em minha vida. Porque andava para todos os cantos – incluindo casas de amigos - com esse magnífico álbum debaixo do braço, “Clube da esquina” acabou por ficar gasto, capa rasgada, aos pedaços, despencando, por ter passado por diversas mãos – inclusive a minha – e diversas vitrolas. Sem falar daqueles arranhões característicos dos discos daquela época, que, ao rodarem na ponta da agulha de diamante, produzia um chiado que mais pareciam bolinhos fritando numa frigideira.
Fui a vários shows de Milton, na Praia de São Francisco, em Niterói, e no Circo Voador, mas o que mais me comoveu foi aquele na Praia de Botafogo, num dia de chuva intensa (não me lembro a data), que mais parecia um dilúvio bíblico. Vários artistas mostraram seus trabalhos, debaixo daquele aguaceiro. Estávamos todos encharcados da cabeça aos pés, esperando ansiosamente por ele. Por fim, Milton apareceu no palco, pegou do microfone e, olhando para o céu, ordenou que a chuva parasse. E parou. No final da última música, a água voltou a descer com grande intensidade, demonstrando respeito ao autor de Travessia.
Em outubro deste ano, Milton completará 80 anos. E já começa a se despedir do cenário artístico para descansar dos “Bailes da vida”. Plagiando Drummond, diria: Se eu fosse rei do mundo, baixava um decreto: Milton não se despede nunca dos palcos. Que pretensão a minha, um desconhecido escritor, de pedir que Milton continue a cantar “Certas canções” que cabem tão bem dentro de nós. Porque Milton é mil tons, é pedra preciosa de Minas, é patrimônio da humanidade.
Faço uma retrospectiva de todo o repertório do artista e não posso deixar de escrever a respeito do impacto que tive ao ouvir Travessia, uma das mais belas canções da MPB, apesentada no FIC, Festival Internacional da Canção, em plena ditadura militar. Escrita por Milton e Fernando Brant, tem uma frase que ficou registrada para sempre em minha mente: “Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver”.
Brant, numa crônica publicada no jornal Estado de Minas, relatou, certa vez, que Milton deixou com ele uma fita contendo a melodia de Travessia, que carecia de uma letra. Era desejo de Milton pôr essa música no Festival Internacional da Canção e, com firmeza, deu um ultimatum a Fernando: “Você vai escrever a letra dessa música”. Disse Fernando que ficou um tanto assustado com o compromisso e, dias depois, apareceu com a letra de Travessia, que acabou se tornando um clássico.
Gosto de todas as músicas de Milton, especialmente de Morro Velho, onde o artista denuncia a difícil ascensão social dos descendentes dos africanos e a desigualdade social que perdura desde a escravização. Sem parceiro nessa música, Milton se expressa com mais intensidade o que sente dentro de sua alma.
Sobre Milton, escreveu ou falou um crítico musical (não me lembro seu nome) que se Deus cantasse teria a voz do Milton.
Enfim, “Os sonhos não envelhecem” e as músicas daqueles meninos de Minas continuarão presentes para sempre em nossas vidas, como ficarão na história musical de nosso povo, para que futuras gerações conheçam o que Bituca representou – representa – para o Brasil. Obrigado, Milton!