A CRIANÇA EM NÓS
No belíssimo texto "Entrevista com Deus", atribuído a Jim Brown, há um trecho que gosto muito:
"O que mais O surpreende a respeito dos homens?"
Deus respondeu:
"Que eles se chateiam em ser crianças, tem pressa de crescer, e então desejam ser crianças novamente."
Realmente é assim. Toda criança na sua inocência quer crescer logo, pois não faz ideia dos encargos que o crescimento traz. E todo adulto quer voltar a ser criança para fugir de tais encargos.
Quando piá, eu me imaginava adulto e agia como tal nas minhas brincadeiras solitárias. Nos meus primeiros escritos, onde o personagem principal dos enredos era baseado em mim mesmo, eu também era adulto, namorava e casava com a menina que eu gostava na ocasião. Tive tantas paixões platônicas na infância e na adolescência, que se fossem bolinhas de vidro, dariam pra enfeitar uma árvore de Natal de mais de três metros de altura. Essa comparação não é minha, é de um escritor, Ganymédes José, com quem eu me correspondia na adolescência e que sabia da minha tendência a me apaixonar.
Querendo crescer, mal sabia eu das dores e chatices que a vida adulta traz.
A infância é um tempo lúdico, onde não temos compromisso nem pagamos contas e onde o maior sofrimento é quando o amiguinho ou amiguinha preferido não está falando com a gente. Chora-se muito na infância, pelas coisas mais bobas, mas nada que um colo de mãe ou vovó não resolva. Quando adultos, muitas vezes somos obrigados a abafar o choro para não dar demonstrações de fraqueza.
A fase adulta, depois que passamos pelo lúdico da infância e pelas birras da adolescência, traz consigo uma série de obrigações e sofrimento que ninguém nos preparou devidamente para enfrentar. Trabalho, contas a pagar, namoro, casamento, filhos, ou decepções amorosas formam um pacote que tem seus encantos, mas também uma gama muito grande de frustrações. E aí temos vontade de virar crianças novamente para não precisar passar por tudo isso.
Mas somos obrigados a amadurecer, muitas vezes da forma mais dolorida. Afinal, a Terra do Nunca só existe na história de Peter Pan - até a Mônica e o Cebolinha, personagens do grande Maurício de Souza, cresceram.
O que não podemos permitir é que as vicissitudes da fase adulta nos endureçam por dentro. Que de vez em quando nos permitamos brincar na chuva (não com este frio, por suposto), rir à toa, brincar de esconde esconde.
O homem só perecerá quando deixar morrer a criança que ainda habita sua alma.