REFLEXÕES

Há, na verdade, resquícios de desalento no silêncio absoluto, na paisagem nua de árvores e pássaros, na escuridão mórbida, nas multidões amordaçadas pelos ditadores. E quando nem o farfalhar da brisa ou das folhas agita o ar e espanta o desânimo, percebe-se que mesmo as copiosas batidas do coração ensurdecem. Sem o bater de asas e os gorgeios das aves, o espaço que nos circunda se torna apenas natureza morta num imenso quadro celestial. O universo sem vida não passa de nada sem nada.

O ermitão, provavelmente, sente essas sensações opressoras do nada silencioso à sua volta. Debalde ele se abraça ao vento arredio e clama no íntimo por vozes humanas além da dele, inultimente seus olhos vagueiam em busca de complemento para o vazio de seus dias. A ausência de companhia cobra dele um valor altíssimo, que somente é adimplido pelo corroer diário de suas emoções. Na distância ele vive e sobrevive como uma criatura auto suficiente, concordemos, mas seus sentimentos, por não terem correspondência, se deterioram e morrem a pouco e pouco.

A madrugada do dia adormecido corresponde ao deserto urbano, porque neste rarissimas são as vida existentes, e naquela quase se anula na dormência do sono dos seres que a habitam. São, pois, similares em virtude da imensidão oca tanto no real quanto no empírico. É de se dizer, somos o deserto latente quando dormimos, ao menos em termos teóricos. O despertar ao amanhecer é o que nos diferencia.

Muitos gostam do niilismo explícito dos desertos que se formam em seus próprios corações, é interessante reconhecer, e parece até mesmo natural ser assim. Não seria a humanidade de uma cor só se os gostos, desejos e sonhos fossem iguais em todos nós, não reinaria a monotonia? A maravilha da diversidade se mostra justamente quando eu admiro as flores e outros amam os espinhos, quando eu sofro no silêncio e muitos amam a quietude, quando eu prefiro água e alguns preferem vinho. É que, malgrado divergirmos nos anelos, nos encontramos e somos um no amor e no respeito mútuos.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 08/06/2022
Código do texto: T7533258
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