As lembranças mais doces e ternas moram na infância. Não foi à toa que os cientistas sociais afirmaram que a memória afetiva tem raízes na meninice. O Dia 8 de outubro é uma data marcante no meu calendário sazonal: Dia de Nossa Senhora do Rosário. Lembro-me dos rituais de troca de coroas entre os reis e rainhas do Congado. Aquela alegria dos aclamados, alimentava o desejo de um dia ser uma princesa. Contos de fadas eram as únicas histórias que conhecia, pois, meu pai fazia questão de lê-los para que dormíssemos encantadas.
O Congado, uma manifestação religiosa da cultura do folclore brasileiro, ancorou-se nas mostras dos povos africanos, que usavam a música e a dança, como forma de expressar gratidão às divindades que, apesar de ser uma lembrança dolorosa, já que, escravizados no século XVI, praticavam suas matrizes em segredo. Prova viva que remonta à intolerância e preconceito com as religiões de matriz africana pelo mundo, especialmente, por cristãos e mulçumanos.
As roupas brancas enfeitadas de fitas coloridas, as boinas impecáveis em purpurina, os instrumentos musicais de alto alcance e uma dança bem peculiar, lembrando a contemporânea com capoeira. Esse era o espetáculo que antecedia a coroação do rei do Congo, ilustre representante da cultura religiosa que, foi incorporada pela igreja católica, como forma de contenção da promiscuidade nas senzalas.
E na igreja, ao primeiro sinal de sol, as Mucamas do Rosário com vestidos brancos, e vassouras de alecrim e seus ramos de cheiro (que eram usados para purificar o ambiente), recebiam os guardas. Naquele cenário, lá estávamos, sorrindo e cantando, como se a vida fosse só aquela alegria. E com fé e tradição o povo nos seguia. Criança deveria ser eterna...