Presta atenção!
Tem uma coisa complicada no mundo: prestar atenção. A minha vida inteira tentaram me ensinar a prestar atenção: no quadro, ao atravessar a rua, na carteira que sempre levo no bolso de trás, no ponto certo para descer do ônibus, nas entrelinhas do discurso político, na pessoa sentada na cadeira ao lado e na estrada afora. Presta atenção! Atenção às coisas do mundo, aos sinais do clima, às nuvens, à chuva, aos indícios de que os ventos podem mudar de direção, aos acenos dos amigos, aos olhares enigmáticos.
Difícil é perceber os detalhes e desvendar seus significados. Eu sempre fui um desatento, um distraído. Fui descuidado quando o professor de matemática tentou me explicar trigonometria, seno, cosseno e tangente. Não sei onde estava com a cabeça quando meu avô tentou me ensinar a ganhar dinheiro. Eu queria namorar, conhecer o mundo, inventar caminhos para percorrer sem preocupações, nas montanhas a escalar, nos mares em que poderia navegar, mas ele insistia em falar de juros, de ações, do mercado financeiro, de câmbio e outras tantas situações incompreensíveis para um adolescente sonhador.
Fui um eterno desmazelado com minhas roupas, meus sapatos, e nunca aprendi a dar nó em gravata. Mas nunca fui desleixado com a dor alheia, com a revolta dos injustiçados, com as carências históricas dos desamparados. Nunca vacilei ao denunciar o desmatamento, a poluição das águas e do ar, o envenenamento dos alimentos ou a opressão contra os mais fracos.
Nos raros momentos em que presto atenção em algo, é quando leio histórias empolgantes e me envolvo no enredo; só largo o livro quando chego ao final, mesmo que seja de madrugada. Distraído, nem reparo no amanhecer, sei que é impossível abandonar a leitura.
Queria ter prestado mais atenção às árvores. Algumas pessoas dizem que conversam com elas, afirmam que sabem quando estão tristes. Não sou refratário às tristezas, às angústias e a outros sentimentos importantes; podem me acusar de ingenuidade, mas não de descaso. Confesso os lapsos de memória, fraqueza nos assuntos do coração, talvez, fascínio e atração exagerada pelo mundo ao meu redor. Deve ser paixão o que me faz admirar as pessoas, as árvores e os animais sem pedir explicações. Queria olhar para os troncos das árvores e encontrar os indicativos da passagem do tempo, olhar o movimento dos galhos e das folhas, o colorido das flores, suas infinitas formas, e descobrir os segredos da natureza. Queria prestar mais atenção aos pássaros, aos seus voos, à dança das abelhas, aos rastros dos animais noturnos que bebem água na beira do rio. Queria identificar as aves pelo seu canto e a intenção das pessoas pelo aperto de mão, pelo olhar, pelo beijo e pelo abraço que nos dão ou negam. E queria saber o que está pensando a menina ao meu lado quando sorri para mim.