Menino Virtual
Quem ler esta crônica terá a curiosidade de saber o que quer dizer esse título escolhido para este texto, eis que inexiste um menino virtual, a não ser em desenhos ou em filmes ou talvez seja a expressão utilizada por alguém para se referir a um menino que navega na Internet.
Hoje, logo que liguei meu computador e fui verificar meus e-mails constatei que minha filha mandou-me uma crônica que narrava a estória de uma pessoa que estava com fome e chegou numa lanchonete para degustar um lanche, oportunidade em que abriu o seu notebook e pretendia fazer o mesmo que eu, ou seja; verificar seu e-mails, no entanto, a estória que se seguiu a partir desse instante aguçou-me a necessidade de discorrer sobre este assunto.
Um menino se aproximou e disse ao rapaz do notebook que estava com fome e, sem ao menos olhar para a criança, o rapaz autorizou que também pedisse um lanche, mas ficou absorto na sua pesquisa sem nenhuma intenção de interrompê-la ante a presença daquele menino. Não sabia o rapaz que isso não seria possível porque a criança queria conversa. Mesmo a contra-gosto o homem no notebook foi respondendo às perguntas do menino que estava interessado em saber o que ele estava fazendo. Foi respondendo às perguntas até que se chegou à última indagação: - O que é virtual? O rapaz então respondeu que virtual é: “um local que imaginamos, algo que não podemos pegar, tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse”. O menino entendeu tudo e disse: - Já sei, eu sou um menino virtual, meu mundo também é desse jeito. Minha mãe fica todo dia fora, só chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico cuidando do meu irmão pequeno que vive chorando de fome, e eu dou água para ele pensar que é sopa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas eu não entendo, pois ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na cadeia há muito tempo. Mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida muitos brinquedos de Natal, e eu indo ao colégio para virar médico um dia.
Evidente que o moço do notebook se emocionou com essa observação daquele sofrido menino e então deu-lhe toda a atenção, inclusive dando-lhe algum dinheiro para que levasse comida para a sua casa.
Quanto a nós – demais pessoas do notebook – devemos refletir sobre a vida de muito meninos virtuais, principalmente neste Natal que se aproxima. Quantas crianças não tem o sonho de ganhar um brinquedinho qualquer, alimentando o sonho da existência do papai-noel?
Não é certo dar esmolas, porque o ser humano é produto do meio. Assim, quando uma criança aprende desde pequena que pedir esmolas é uma forma mais fácil para sobreviver, certamente que aprenderá a viver dessa forma e deixará de trilhar pelo caminho correto, freqüentando uma escola ou vivendo dentro do lar e aprendendo que as dificuldades devem ser superadas com esforço e trabalho.
Por outro lado, o problema do menino de rua é uma realidade. Acredito que pagar um lanche como fez o rapaz do notebook não é nada demais. Porém, oferecer dinheiro em espécie não contribuirá em nada para o encaminhamento moral dessa criança. Esperar que essa criança cresça e passe a cometer crimes também não é o que se espera de uma sociedade solidária e comprometida com o destino do ser humano.
A solução vem das iniciativas pessoais, coletivas, religiosas e sobretudo da vontade política dos homens públicos que devem fazer jus à delegação que recebem nas urnas, construindo mais creches, mais centros de ensinos profissionalizantes, mais abrigos para menores, criando mecanismo de severidade nas leis que protegem o menor, enfim, todos devem envidar esforços para que nossas crianças cresçam com dignidade e não se vejam desde pequeninas num cenário de virtualidade, sem proteção alguma de quem tem o dever de ampará-las.