O medo da solidão como inimigo da solitude e do amor próprio
Longe dos barulhos das buzinas e locomoções dos carros, motos e ônibus; do ambiente dos arranha-céus iluminados, acompanhados de ruas movimentadas de pedestres transeuntes... além dos status e fotos curtidas do Instagram e das companhias agradáveis de rodas de amigos e do convívio massante com os familiares mais próximos... muito além de qualquer registro de vida consciente; largue este indivíduo no meio de alguma mata ou deserto em que grita o som do silêncio e então assista à sua loucura começar a se manifestar.
Atrás do som do silêncio se manifesta a percepção da solidão, do vazio e da ausência de aprovações fundamentais ao ego humano. Afetos, companhias, conflitos, tumultos... e toda sorte de relações urbanas ou rurais aí se esvaem. A vida do homo sapiens sempre foi protegida por uma redoma de afetos e apoios psicológicos e emocionais representada pelos grupos à sua volta. Um ser humano sem seu bando é um condenado a vagar e tropeçar nos degraus da iminência do fim de sua vida.
"Somos seres sociais", afirma a psicologia social. "Dependemos de ligações e de uma vida junto do grupo para que não pereçamos..." complementa a biologia/psicologia evolutiva. Tudo isto é nobre, honroso e a mais pura verdade factual que circunda a realidade humana. O afeto materno e a criação estável como um requisito de orientação e movimentação na existência e na sociedade é um fato mais do que consolidado pela psicanálise, refinada pelo viés de David Winnicott que captou muito bem essa relação entre o bebê e sua mãe.
Entretanto, muito além e como um contraponto a todas essas constatações de construções biológicas e psicológicas da espécie humana, entra o medo pavoroso dos momentos da solitude. A solidão é a percepção humana da falta dos afetos, acompanhada pelo pavor que irrompe da extrema dependência emocional por uma companhia. Os medos, as verdades pessoais, os sentimentos de ansiedade, culpa, desamparo... são amplificados diante da solitude e do silêncio necessário para revigorar o indivíduo diante do saturamento causado pela convivência em sociedade.
Parece que o homem moderno perdeu o brio de encarar a si mesmo e a seus medos. Parece que ele preferiu se afogar na coletividade excessiva e nos ruídos urbanos ao invés de se resguardar e olhar para si. Pobre homem moderno: distraído pelas bugigangas e quinquilharias consoladoras da revolução industrial; amparado trágicamente pelas relações virtuais advindas da era digital. Sim! Este ser moderno marcha triunfantemente para o desmantelamento do amor próprio.
O que um indivíduo viciado em fugir de si mesmo não faz? O que não faria para calar a voz do silêncio em sua mente e ouvir ao menos o som de propagandas ou resquícios de alguma atividade humana? Muitos de nós somos este homem moderno que teme ficar a sós consigo mesmo; morremos de medo ao pensarmos na hipótese de ficarmos sozinhos com nossa falta de amor próprio, isolados dos sons de baladas eletrônicas, do efeito de alteradores de consciência que nos retiram da monotonia do dia a dia.
Sem um parceiro(a) para nos dar apoio moral incessante e nos impedir de lidarmos conosco e de nós para nós mesmos... entramos em surto profundo. Conclui-se que o surto do homem moderno não é a falta, mas o excesso de estímulos que nos impedem de nos autoconhecermos.