Noite

 

Não consegui dormir.

 

Há tantas coisas acontecendo debaixo do silêncio de uma simples e inocente noite. Nesse exato momento em que estou aconchegada à maciez dos meus cobertores, escutando os grilos e a chuva fininha que cai lá fora, do outro lado do mundo, pessoas se encolhem de medo ou de fome.

 

Eu acho que sou uma pessoa de sorte – quem sabe, porque eu não sei o que o amanhã me reserva. E acho que é melhor não saber mesmo. Os arcanos tentam me mostrar o que eu, conscientemente, não quero saber. Mas não resisto a uma rápida olhada nas figuras das cartas, que me contam segredos e presságios. Penso que algumas delas podem estar mentindo. Isso me ajuda a continuar.

 

Digo a mim mesma para ter fé. E é fácil ter fé quando tudo vai bem. Mas a fé verdadeira é aquela que resiste até mesmo àquilo que eu jamais desejaria que acontecesse. Peço a um Deus que eu não conheço que não teste a minha fé.

 

Eu às vezes gosto de ficar sentada no gramado, apenas contemplando. Sempre na companhia dos meus cães. Esses momentos são cheios de paz. Meu pequeno mundinho protegido parece ser um lugar seguro, e eu vivo na ilusão de que ele seja, mesmo sabendo que não é. Acredito que as nossas pequenas ilusões – aquelas, que construimos para dar sentidos à vida, porque no fundo, achamos que a vida não tem muito sentido -  nos ajudam a caminhar.

 

Mas a vida é tão bonita quando a gente olha para dentro, ou então quando a gente olha para um lá fora que é feito de coisas simples, como cães, árvores, grama, passarinhos cantando, estrelas, barulho de chuva, orquestras de grilos ao anoitecer...

Meus momentos mais verdadeiros são aqueles em que estou cuidando das minhas coisas, lavando a minha louça, varrendo o meu chão. Porque são momentos em que eu estou completamente dedicada e integrada às minhas pequenas tarefas. E sinto que as coisas mais bonitas, são justamente aquelas com as quais ninguém se importa.

 

Então eu agradeço. Não sei bem a quem, mas eu agradeço, e o sentimento de gratidão vai me limpando de todo e qualquer desejo, de todos os meus miasmas.

 

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 04/06/2022
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