Pequenas histórias 275
Quieto percorreu
Quieto percorreu a manhã numa só passada. Atravessou os sentimentos cuja claridade suave se ampliava pela imensa avenida. Os olhos, espelhos da alma, captavam ações recolhendo-os ternamente. Sabia-os importantes, por isso, colhia tudo o que o rodeava, sem distinção, sem pudor e preconceito. Recolhia-os como quem recolhe do lixo o alimento. E, ao reciclar as emoções, purificava os atos ora impulsivos, ora contidos, destilando palavras numa espontaneidade virgem de ganância.
A manhã nos sentidos da pele, lentamente emergiu em focos de densidade, cravejando nos pontos certos, a individualidade de cada um possibilitando a continuidade da vida. No brilho da manhã, entremeados pela chuva fina, reviu os passos antigos reverberando-os nas lajotas das calçadas. Prestava atenção para não pisar nas divisas escuras que dividias as lajotas. Nessa prosaica ação ingênua e paranoica se abstraia de pensar por pensar. Se abstraia de cair no abismo das palavras, desviando-se das armadilhas das vozes trovejando palavrório sem atrativo e sem sentido.
Abriu o precário guarda-chuva de cinco reais, atravessou a rua, entrou no prédio deixando para traz os pensamentos filosóficos. Mais um dia se iniciava para sua felicidade de burguês conduzida pelos dedos do operador de fantoche.