Pequenas histórias 275

Quieto percorreu

Quieto percorreu a manhã numa só passada. Atravessou os sentimentos cuja claridade suave se ampliava pela imensa avenida. Os olhos, espelhos da alma, captavam ações recolhendo-os ternamente. Sabia-os importantes, por isso, colhia tudo o que o rodeava, sem distinção, sem pudor e preconceito. Recolhia-os como quem recolhe do lixo o alimento. E, ao reciclar as emoções, purificava os atos ora impulsivos, ora contidos, destilando palavras numa espontaneidade virgem de ganância.

A manhã nos sentidos da pele, lentamente emergiu em focos de densidade, cravejando nos pontos certos, a individualidade de cada um possibilitando a continuidade da vida. No brilho da manhã, entremeados pela chuva fina, reviu os passos antigos reverberando-os nas lajotas das calçadas. Prestava atenção para não pisar nas divisas escuras que dividias as lajotas. Nessa prosaica ação ingênua e paranoica se abstraia de pensar por pensar. Se abstraia de cair no abismo das palavras, desviando-se das armadilhas das vozes trovejando palavrório sem atrativo e sem sentido.

Abriu o precário guarda-chuva de cinco reais, atravessou a rua, entrou no prédio deixando para traz os pensamentos filosóficos. Mais um dia se iniciava para sua felicidade de burguês conduzida pelos dedos do operador de fantoche.

Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 04/06/2022
Código do texto: T7530548
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.