BAILINHOS NA GARAGEM
Extraído do livro do autor “Tute – Brincadeiras de papel”
Reunir os amigos para curtir uma noitada. Era dessa forma que, nos anos de 1970, aproveitávamos os nossos “embalos de sábado à noite” — como, depois do filme de 1977, estrelado por John Travolta se tornariam conhecidas essas festas — vividos entre a adolescência e juventude. Nesses encontros, o que mais nos atraia eram as brincadeiras dançantes improvisadas na garagem da residência de algum amigo do bairro ou da escola. As noitadas começavam por volta das oito e muito raramente ultrapassavam a meia-noite.
Da preparação para essas festas fazia parte a retirada pelos pais dos carros da garagem. E, se no portão dessas houvesse grades, ali era pendurada uma proteção — de lona ou plástico — para encobrir a vista e tornar o ambiente mais aconchegante. Uma vitrola, discos de vinis — os LPs —, duas ou mais caixas acústicas confeccionadas artesanalmente e apenas uma lâmpada — bem fraquinha — para iluminar o centro da pista e propiciar clima romântico eram os itens essenciais para a realização desses encontros. Quando a casa não tinha garagem, sofás e estantes eram afastados para um canto, e a sala então se transformava na pista de dança. Para desespero dos donos da casa, ao final das festinhas as paredes estampavam as marcas das solas dos sapatos daqueles que ali apoiavam os pés enquanto outros dançavam.
Garrafas de refrigerantes e embalagens de salgadinhos industrializados, somadas à solida amizade entre os participantes, eram o que garantia o ingresso nesses divertidos encontros. Às vezes, pacotes de pipoca eram adicionados ao “cardápio”, além das pequenas fatias quadradas de pão de forma com patês de sabores variados, para não ressecarem, os lanches eram cobertos com um pano até o momento de serem servidos. Outro item que eventualmente também aparecia no menu era o bolo no mesma formato do pão de forma, cuja embalagem continha ainda uma frágil faquinha plástica para reparti-lo. Ah, sim, quando o dono da casa consentia, às vezes também rolava, de leve, uma cuba libre, além de uma batidinha de coco e meia de seda, com cheirinho de vodka. Tudo simples assim. Tudo dentro da mais perfeita ordem da tradicional família brasileira.
Para as reuniões não eram exigidos convites ou reservas. Prevalecia a sintonia de amigos próximos que espalhavam a realização, o dia e o endereço do evento. Não existiam redes sociais, celulares e o telefone fixo era raro. Além de curtir a brincadeira dançante e passar horas felizes junto aos amigos, surgia a possibilidade de flertar com alguém e, se dando bem, sair do baile com a pessoa conquistada, pelo menos na oportunidade. Desse contato podia surgir o namoro de alguns dias, semanas, meses ou simplesmente daquelas poucas horas.
Guardo muitas recordações desse tempo. Uma delas, a saga que era se deslocar de um lugar ao outro para encontrar e desfrutar de momentos sublimes junto aos amigos. Na nossa turma, ninguém tinha carro e o jeito era ir mesmo caminhando. Chegávamos ao local e sondávamos o ambiente: uma olhada discreta para observar se tinha alguma garota interessante e decidir se ficava por ali ou ia a outro bailinho, caso houvesse.
Nem a falta da "vitrola" impedia a reunião. Se fosse esse o caso, apelávamos para algo mais simples: um toca fitas cassete e duas caixas de som. No caso das fitas era comum recorrermos a um gravador para copiar as músicas direcionando o microfone para o aparelho de rádio. Algumas vezes acontecia de, no meio ou final da gravação, os locutores intervirem com uma fala ou, então, era a vinheta de identificação da rádio que estragava a música.Se fosse para comemorar o aniversário de algum colega, a turma criava uma força-tarefa para incrementar a festança. Conseguia-se um aparelho de som mais apurado, como o “Alta fidelidade”, equipamento estereofônico, e caixas acústicas potentes, coleções inteiras de LPs diversificados para não repetir músicas, e iluminações “arrojadas” imitando boates, como a luz negra para dar ao ambiente um ar mais romântico. O cenário procurava favorecer o momento de coladinhos, dançar as músicas lentas. Já o globo de isopor suspenso no teto, com espelhos cravejados em toda a superfície e iluminação estroboscópica, proporcionava efeitos especiais, perfeitos para balançar o corpo ao ritmo de rock'-n'-rol.
Havia amigos que organizavam esses encontros e eram precavidos. Antes de começar os bailinhos deixavam os discos separados na sequência, música lenta, samba, rock, música lenta e assim sucessivamente — algo parecido ao que hoje chamamos playlist. Eu me perderia aqui listando canções e intérpretes que fizeram minha geração dançar, se apaixonar, namorar, brigar, separar e reconciliar no embalo de músicas que proporcionavam pura emoção. Todos se divertiam nos embalos de Beatles, Rolling Stones, Shocking Blue, Credence Clearwater Revival, Alice Cooper, Deep Purple, Pink Floyd, Led Zeppelin, entre outros. Ficávamos ansiosos à espera das músicas românticas para convidarmos as meninas a dançar juntinhos, corpos e rostos colados e, quando a garota permitia, começar os beijinhos. Posteriormente, por vezes, no cantinho ou no muro de fora da festa, acontecia o famoso amasso.
A diversão não ficava só nos passos flutuantes com a parceira de dança ou com os sussurros nos ouvidos da garota. Esse momento era interrompido — afinal ninguém era de ferro — a melação, como era chamada, dava vez à agitação, pois a seleção de som pauleira fazia o balanço total, um verdadeiro festival do que de melhor existia. Havia também espaço para o som nacional. Sambas de Martinho da Vila, Jorge Ben (nome à época) Benito de Paula e Originais de Samba, o ritmo de Tim Maia e algumas românticas do Roberto Carlos. O repertório contemplava até músicas italianas. Nesses bailinhos, muitas juras de amor foram trocadas nas pistas ao som e letras de melodias que embalavam o imaginário da garotada e até hoje permanecem na memória de muitos da minha geração, como: Skyline Pigeon (Elton Jones) Je T'aime,... Moi Non Plus (Jane Birkin et Serge Gainsbourg), If (Bread) e centenas de suaves melodias. Para cada canção que me vem à mente, minha imaginação viaja e, como um videoclipe, visualiza cenas felizes embaladas ao som, tal qual trilha sonora dos melhores romances cinematográficos. Nelas, posso vislumbrar a agitação do pessoal se divertindo ao embalo de rock-and-roll com as luzes invadindo o ambiente, observar casais agarradinhos a flutuar suavemente no ritmo do amor, regadas pelo tom insinuante da luz negra nos encorajando a vencer a timidez. O que dizer então da tão aguardada última música lenta, desfecho da derradeira dança e esperança de não sair dos bailinhos de então de braços dados com a solidão. Para quem não se divertiu nessas reuniões, ainda há tempo. Continuemos a dançar com o que a vida nos proporciona no ritmo que possível for, enquanto vivos estivermos, pois sempre haverá esperança. Não dê chances ao infortúnio, não perca a última dança.