TARDES CHUVOSAS...GALINHA NA PANELA
PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO
Chove intensamente neste instante e um vento frio faz-me embrulhar-me num surrado cobertor.
Ele - o cobertor - tem o meu cheiro e age como que fora aqueles conhecidos objetos a que as crianças tem o hábito de agarrar-se , fazendo manha quando são extraviados.
São os denominados "queridos". Por vezes meio sujos,ensebados,mas de suma importância para que se pegue no sono.
"Queridos" à parte, eu sou bem velhinho e isso já não me pertence mais, mas este tamborilar de chuva no telhado, o ruído das águas escorrendo pelas calhas, ,enfim...Tudo isso me remete aos longínquos anos de minha existência.
Tardes chuvosas eram pretexto para imolar-se um frango ou uma galinha, selecionados a dedo por vó Maria.
Além da cerca de ripas que delimitava os territórios da nossa casa e da casa de tia Flora, uma penosa era igualmente sacrificada em nome da tardes chuvosas, barrentas e frias.
Vinham dos quintais, titia e minha mãe, carregadas de cebolinha ,salsa, manjerona e manjericão.
A essa altura as penosas - dilaceradas - já estavam sendo veladas em bacias com sal, pimenta e alho.
Não demorava e das panelas de ferro, desprendia-se o irresistível cheiro dos temperos e as cozinhas eram incensadas à frangos caipiras.
O que diferenciava uma casa da outra, era o acompanhamento das penosas.Titia remexia um panelão de polenta, enquanto minha prima preparava saladas de escarola e tomates.
Em nossa casa era macarrão caseiro, especialidade de dona Hilda, minha saudosa mãe.
As saladas não diferenciavam -se em muito.
Papai mantinha um bom estoque de vinhos coloniais e quando retornava do trabalho e adentrava à casa, enfeitiçado pelo cheiro da cozinha, ia fazendo lembrar a necessidade de abrir-se um litro do cheiroso vinho tinto oriundo da região de Malet PR.
Não tardava e eu era incumbido a cruzar a cerquinha de ripas levando um litro ao tio Elias, irmão de meu pai.
Retornava sempre com algum agradinho, fruto das iguarias preparadas por titia.
Acendia-se o lampião a querosene e ao redor da mesa éramos uma familia feliz falando de nossos cotidianos.
A chuva escorria pelo telhado e o cheiro de noite molhada era todo encantamento.
Agora, no escurinho de minha sala, à luz do monitor, encolho-me ao "querido" e lembro que há sobras de frango na geladeira.
Não é assim "uma Brastemp", mas é do que se dispõe para o momento. Farei um miojo para acompanhamento e, sem vinho, me contentarei com um razoável suco de uva.
Um "Preto de alma branca" me fará reviver algo parecido com uma das iguarias que trazia da casa de tia Flora.
A cara metade já se recolheu e eu, sozinho , sorverei meu prato ao som das águas escorrendo pelas calhas.
A cerquinha de ripas de minhas lembranças haverá de fortalecer-me a sensação daquelas galinhadas do tempo de dantes, do convívio com aqueles seres humanos de falas mansas que faziam-me feliz naquelas noites em que as chuvas tamborilavam pelo telhado e os pingos encharcavam gerânios ao redor da casa.