NA JANELA DO MEU QUARTO
(PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO)
Noite de sábado, quietude,meditações...
Eis-me aqui a ruminar algumas lembranças.
Sempre tive o hábito de dormir muito tarde e na solidão de meu quarto, no tempo de minha mocidade, um rádio a pilha era meu fiel companheiro daquelas noites insones.
Rádio Difusora de Porto Alegre - época das rádios AM - e Paul Young esbanjando "Everytime you go away", sucesso de então.
Era um tempo de sonhos e incertezas, de amores (platônicos, alguns), de olhar-se no espelho e sonhar com aquilo que desejava-se ser e conformar-se com a unica certeza da "belezura" daquilo que dispunha-se para o momento.
Smpre fui muito vaidoso e adorava auto analisar-me via espelho do meu quarto.
Depois eu abria a janela e punha-me em contemplação.Os perfis escurecidos do arvoredo, as poucas casas do meu bairro,mergulhadas no silêncio das madrugadas, céus borrifados de estrelas e vez e outra algum sonhador singrando as trevas com um assobio nos lábios.Nada se via naqueles negrumes de noite, ouvia-se ! Tão somente o assobio.Melodioso algumas vezes, em outras...Nem tanto.Era a paisagem que descortinava-se à minha frente.
Eu estático !... Feito um zumbi, sorvendo os mistérios da escuridão.
Paul Young pelas ondas do rádio provocando-me um turbilhão de pensamentos.
Era eu, uma estranha solidão mergulhada na janela.
Depois, vencido pelo cansaço eu entregava-me a um sono profundo e a manhã seguinte me encontrava alegre e cheio de planos,indo para o trabalho.
Agora, diante da luz do monitor, ouso sonhar com aquela minha janela, com aquela emissora de rádio que não mais existe, com aquele rapaz que adorava "Everytime you go away" e eu o deixei um dia perdido lá pelas bandas da rua do Fomento.
A música que ouço neste momento, é de gosto duvidoso e vem de um show ao vivo num restaurante proximo.
Uma estranha melancolia leva-me para uma das janelas da casa em que hoje moro. Anêmicos fachos de luz escorrem das luminárias e alguns carros cruzam apressados à minha frente.
Tudo tão monótono !...
A luzinha colorida de um avião entremea-se entre as poucas estrelas desta noite de sábado.
Um casal de namorados, sob um céu ligeiramente carrancudo, percorre o trecho de minha rua e eu os sigo até o momento em que são abduzidos pela primeira esquina.
Volto os olhos para o céu e deixo-me abduzir pela luz - agora bem distanciada - do avião noturno.
Fico imaginando as vidas, os sonhos e destinos que recheiam aquela nave.
Sem inspiração para alguma coisa mais consistente, me conformo com a insignificância destas mal traçadas.
Graças à tecnologia, posso ouvir agora aquela canção que me fazia sonhar e mirar-se no espelho num tempo em que até uma cueca nova era motivo para uma auto contemplação, para um "achar-se" bonito ainda que se estivesse cometendo um baita sacrilégio.
Atualmente...Restrinjo-me apenas à canção.Nada de espelhos , nada de "saccrilégios" rsrs....