ANISTIA INTERNACIONAL

QUANDO UM POETA PASSA PELA ANISTIA INTERNACIONAL

Nelson Marzullo Tangerini

Quando fui um membro voluntário da Anistia Internacional, um boletim sobre os direitos humanos no Irã caiu em minhas mãos – como outros, que denunciavam, também, prisões arbitrárias e assassinatos de opositores na Albânia, no Chile, na Líbia, na Argentina e no Iraque, entre tantos outros países, governados por dirigentes autoritários, criminosos e abjetos.

Depois de ler sobre o Irã, por exemplo, acabei por entender como o fundamentalismo religioso está próximo do abuso sexual, uma vez que muitas mulheres que lutavam por seus direitos - igualdade de gênero – eram presas pela “Polícia de Costumes” e, uma vez nas celas, sofriam toda sorte sevícias, por parte de homens que pensavam representar, na Terra, a vontade de um ser que nunca vimos e que, se existir, é omisso ao sofrimento humano.

Todos aqueles momentos me vêm a mente neste exato momento em que o frio genocida Wladimr Putin, o novo Czar da Rússia, sem qualquer remorso, varre a Ucrânia com violência extrema, matando seres humanos. Muitos ucranianos perderam seus lares, seus familiares e seus amigos. Outros tantos fugiram para outros países, onde pensam viver em paz e criar seus filhos.

E é neste momento que reencontro, em minha humilde biblioteca, o livro “Chile, o retrato de uma agonia”, de Jacobo Timerman, publicado, no Brasil, pela Editora Best Seller. A obra de Timerman, nascido na Ucrânia, denuncia as prisões arbitrárias, a tortura e o assassinato de opositores da ditadura militar comandada por Augusto Pinochet, um dos ídolos do “cristão” Jair Bolsonaro, que tem como ídolo, também, o temido torturador Brilhante Ustra, festejado pelo capitão como um herói nacional.

Como os ditadores são iguais! Invejosos, esses déspotas do século 21 tentarão de tudo para serem piores que seus antecessores, com a esperança macabra de os superar e de registrem suas maldades, entrando, assim, com o pé “direito” num provável Guiness Book de recordes de atrocidades e horrores.

No Chile de Pinochet, as mulheres intelectuais eram torturadas e violentadas com requintes de tara e sadismo. Inferiores intelectualmente, era esta a maneira – grosseira – de eles, os torturadores, destruírem um ser que usava o cérebro, que raciocinava. Eles não suportavam estar diante de uma mulher inteligente – superior a eles, mais inteligente que eles. Enfim, era assim que agiam os medíocres, os mais abjetos seres desumanos, enquanto arrotavam que defendiam a pátria, a religião e a família.

A partir da leitura desses relatórios, a partir de livros que denunciavam crimes cometidos por ditadores, monstros desprovidos de sensibilidade - contra seus opositores –, acabei por escrever, em 1995, o livro de poesias “Cidadão do Mundo”, Editora Achiamé, totalmente ligado a esta causa que sempre me incomodou – e que me levou para a Anistia Internacional.

Atentos com o que acontecia no Brasil, enquanto o futebol silenciava e ofuscava as atrocidades dos “anos de chumbo”, que ceifaram inúmeras vidas - de idealistas e livres pensadores-, sonhávamos acordados e nos alimentávamos da esperança de encontrar a liberdade no final do túnel.

Nos “quartos escuros” dos quarteis brasileiros a tortura e os assassinatos desses opositores eram uma realidade.

Depois de tantos crimes contra a humanidade, depois da derrubada de alguns muros, visíveis e invisíveis, acreditamos que, no século 21, um novo ser humano e um mundo novo viriam, trazendo a liberdade e a diversidade. E, espantados, nos deparamos com o renascimento do nazismo, do fascismo, do racismo, do machismo, da misoginia, do fanatismo religioso, do negacionismo; enfim, de todo o lixo humano deixado nas páginas dos livros de história do Planeta Terra.

Sonhadores, românticos, deslumbrados com o caminhar sereno de uma nova humanidade, não imaginávamos que haveria um retrocesso, que os armários se abririam em outubro de 2018 e que, de lá, sairiam esses seres desprezíveis, nefastos, retrógrados, que hoje cultuam a tortura, pedem intervenção militar e a volta do AI 5.

Ainda que pessimistas em relação ao futuro, devemos nos alimentar de esperança, esperança de que um novo mundo ainda seja possível. Se eles se armam até aos dentes; se eles odeiam a liberdade, a arte e a ciência; se eles se orgulham de serem idiotas e odeiam quem pensa; se eles têm medo da luz, como dizia Platão, devemos ter orgulho de estarmos pensando e estarmos alimentados de belos ideais, ideais libertários. Porque “é preciso estarmos atentos e fortes”. O fascismo precisa ser derrotado, banido do Planeta. Temos uma Luz acesa dentro de nossas almas. É nosso dever lutar em defesa desta Luz.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 27/05/2022
Reeditado em 27/05/2022
Código do texto: T7525330
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