MISTERIOSO JOHN
Quem mora no Fonseca ou nas imediações ou quem apenas passa por lá certamente já teve a oportunidade de ver uma estranha e esquálida figura que caminha diariamente pela alameda São Boaventura vestindo andrajos e carregando alguns sacos com seus pertences, uma espécie de cajado com roda e um pneu ao ombro. O homem branco e magro faz das calçadas que margeiam o rio Vicência que corre no meio da alameda seu caminho. Quem será aquele estranho homem que não fala com ninguém e pelo menos à quatro anos quando me mudei para Niterói vejo sempre na mesma rotina?
Certa manhã enquanto aguardava o reparo no meu carro frente a uma oficina vi aquele homem sentado à sombra de uma árvore. O calor era intenso naquele dia de verão. Como beirava o meio-dia deduzi que ele poderia estar com fome. O reparo do carro demoraria para ficar pronto e resolvi caminhar pela alameda. Um pouco adiante entrei em um restaurante self-service e pedi que preparassem um almoço para viagem. O homem ainda estava lá. Aproximei-me e lhe ofereci a quentinha que foi recusada com um aceno negativo de cabeça. Insisti por duas vezes e disse que era para seu almoço e ele resolveu aceitar guardando-a num saco. Deduzi que ele não quis se servir por causa da minha presença. Despedi-me e ele apenas fez um gesto de agradecimento segurando a aba do velho e carcomido chapéu. Atravessei a pista e voltei para a oficina de onde pude observá-lo enquanto retirava a quentinha e almoçava. Depois de algum tempo recolheu seus pertences e pneu ao ombro voltou a caminhar sumindo à distância de onde eu estava.
Tempos depois ao passar num fim de tarde pelo Ponto Cem Réis avistei-o no local em que costuma passar as noites. Trata-se da parte de baixo da subida para a Ponte Rio-Niterói de quem vem da alameda, um espaço abrigado e de certa forma urbanizado que serve de abrigo a moradores de rua e a transeuntes em dias de chuva. Resolvi aproximar-me dele para tentar um diálogo. Como eu já sabia que ele é arredio, cheguei discretamente com um copo de café com leite quente e um sanduíche que mandei preparar na padaria próxima. Cumprimentei-o e ofereci o lanche. Mais uma vez a refeição foi recusada e depois de insistir finalmente foi aceita. Desta vez ele não se fez de rogado e comeu avidamente o pão com mortadela e bebeu o café com leite. Escurecia e começava a esfriar. O inverno chegara e a temperatura caía drasticamente no início da noite. Enquanto ele se alimentava tentei estabelecer um diálogo e a única coisa que consegui que respondesse foi quando perguntei seu nome: JOHN, foi a única coisa que ele respondeu. Como eu insisti em fazer mais algumas perguntas ele mostrou-se insatisfeito, levantando-se de repente deixando os pertences e afastou-se de onde estávamos, parando mais adiante e ficando a me observar. Entendi que o estava incomodando e fui embora. Mais tarde passando pelo mesmo local vi que ele se encolhia e se protegia do frio como podia. Naquele momento resolvi que tentaria fazer algo por ele. Mas fazer o que? De que forma poderia ajuda-lo se ele apenas me dera um nome? No dia seguinte catei no meu guarda roupa um casaco de frio que servisse para ele além de um cobertor e no fim da tarde como eu sabia que ele se recolhia, fui lá e entreguei sem nada perguntar para não importuná-lo. A partir daí sempre que o vejo perambulando ofereço algum tipo de alimento que possa pelo menos saciar a sua fome.
Mas afinal quem será esse estranho homem que me respondeu apenas quando perguntei seu nome e disse chamar-se JOHN? Quem será o estranho homem que perambula há anos pela alameda carregando um pneu no ombro? Será que o serviço social do nosso município não se deu conta ainda que aquela pessoa pode ser alguém importante que desmemoriado transita sem rumo e que alguém pode estar a sua procura sem saber seu paradeiro? Espero que alguém que leia esta crônica se interesse em tentar ajudar o nosso misterioso JOHN.
* Este texto está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibido a reprodução parcial ou total.