NOITES FRIAS DE SÃO PAULO
Nesses dias e noites em que o frio está nos congelando, me veem à memória afetiva alguns episódios de invernos rigorosos pelos quais passamos nesta gélida São Paulo, se assim podemos denominar esta sensação que a baixa temperatura nos afeta. Eu não me queixo do frio, eu me queixo em passar frio, se me entende.
Pesquisei sobre o histórico dos dias mais frios das últimas décadas em Sampa, não constam os períodos pelos quais passei perrengues no inverno, todavia, trago na memória duas datas que marcaram sobremaneira momentos de muito frio. A
primeira, lembro-me bem, foi numa manhã de junho do ano de 1964. Estávamos no segundo ano primário e o imóvel onde funcionava o grupo escolar era construído de madeiras, cuja estrutura frágil permitia que o vento frio dividisse o espaço com os alunos. Para aquecer, a nossa professora, dona Joana, nos orientou que esfregássemos a caneta Bic envolta às mãos. Que nada, perda de tempo, o jeito foi reunir a garotada no patio. Para os meninos a ideia foi jogar futebol. Já as meninas, amarelinha e pega-pega.
A segunda data, entrei num fria literalmente, em uma noite de julho de 1981, de férias na faculdade, fomos bater uma bolinha após o trabalho numa quadra descoberta nas imediações da Anhembi/Morumbi, na Rua Casa do Ator.
Depois da porfia me deram carona até a Avenida Rebouças com a Avenida Faria Lima onde eu esperaria por horas o ônibus que me levaria para casa. Do ponto da parada do coletivo era possível avistar o luminoso sobre o prédio na esquia dessas duas avenidas, onde hoje exibe, se não estou enganado, a marca do Banco Itaú.
Os mais antigos devem se lembrar que nesse mesmo prédio, à época tinha no topo o letreiro do antigo Banco BCN. Naquela noite, o painel registrava, 23 horas e alguns minutos próximos à meia-noite e, enquanto o ônibus insistia em não passar, os minutos só aumentavam e a temperatura só diminuía.
Para o frio de agora, aqui no aconchego do meu lar, é só um friozinho. Sinto-me um privilegiado. Mas, nessas noites de frio rigoroso precisamos apelar para a solidariedade de todos doando agasalhos e acolhendo nossos irmãos menos favorecidos expostos à temperaturas que cortam a carne e dilaceram a dignidade do cidadão.