E A MÃO CONTINUA DOENDO (BVIW)

 

Já soltei três palavrões, já chorei de dor, já xinguei Maria  taxando-a de filha de uma p... E estou aqui segurando a  minha mão tudo por conta de uma bela queimadura que acabo de levar da porcaria do ferro de engomar. E eu que não sou de soltar palavrões até me espantei com o meu palavreado e com os meus pensamentos pelo avesso e amarrotados, mas a essa altura, sentindo essa dor excomungada não tem espaço  para pensamentos engomados.  Fazer o quê? Curtir a dor  ou correr atrás de Arnaldo Antunes e Zizi Possi e fazer coro com eles quando cantam que não tenho paciência para televisão; que cansei de ser audiência para a solidão, que agora sou de todo mundo e todo mundo é meu também “. Queria  mesmo que baixasse em mim o espírito de Manuel Maria Du Bocage a quem se atribui um anedotário cabeludo e  eu  aqui continuasse soltando  “impudicícias” . Queria dizer um montão de besteira inconsequente, sem nexo. Queria pintar o meu cabelo de verde pra chamar atenção. Queria falar alto, gesticular, xingar a mãe de alguém, bater a porta, cuspir no chão, limpar a boca com a manga da blusa, palitar os dentes. Queria beber cerveja e arrotar; Queria dizer que cansei. Cansei de bons modos, cansei de mim. Cansei de correr atrás. Cansei de dizer olhe pra mim, me atropele Queria rezar um Pai Nosso, uma Salve Rainha, o  Credo  depois me benzer e dizer Amém.  Para  dormir e nem sei se quero acordar

E a mão continua doendo...

 

 

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 24/05/2022
Reeditado em 24/05/2022
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