Meu avô era um homem sábio. Morreu cedo por causa da grandeza do seu coração. Era física e o órgão cresceu. Com sua morte, algumas de suas frases foram enterradas. Mas, vira e mexe vem à lembrança alguns desses ditos. Hoje por exemplo, ao encontrar um produtor musical num restaurante, lembrei-me dele: "Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha..."
Tadeu queria falar do Furacão Anitta, eufórico com as conquistas internacionais da cantora. Veio como quem dita a verdade, "ninguém poderá contestar o talento da cantora internacional", e lógico, abaixei minha orelha.
Interessante sua colocação, Tadeu. Anitta, de fato, mostra-se bastante articulada, tem facilidade em abrir caminhos para a visibilidade internacional, tem "borogodó" para o mercado de investimentos futuros, apoia e patrocina produtos e inovações (sempre atrelados à bebida e similares) que carregam a massa.
A moça fala inglês fluente (o que é raro para os artistas brasileiros), não tem noção nenhuma do processo democrático de direito e suas vertentes de cunho político (deixou claro isso nas lives feitas junto à uma amiga advogada Gabriela Prioli, antes da pandemia), não tem muito jeito pra apresentar programas (prova disso foi o que apresentou pra Luíza do Magazine, junto ao Hulk ex candidato a presidente), é adepta das redes sociais como impulso e representa o país. Sim, ela representa o país. E barganha ingressos com os potenciais jovens eleitores para tirarem o título.
A nossa cultura tem muitas de suas raízes no samba, na bossa nova, MPB. Mas o Brasil, embora tivesse certa visibilidade nesse meio, nunca alcançou números e espaços, tal como a Anitta ganhou (mérito dela) e dos milhões de seguidores das telas. Independente se tem ou não uma tatuagem no "forevis" e se recebe incentivo da Lei Rouanet.
O funk que revelou o talento da cantora, vem sofrendo diversas mutações no tempo, e, convenhamos, gostem ou não, aceitem ou não, representa a cultura da favela, apesar da intensa exposição em suas letras da vulnerabilidade feminina, da sexualização exacerbada e da pobreza literária de conteúdo.
O batidão é extraordinário ("que batida é essa que na balada é sensação... É, claro que é o funk, meu irmão... Para as mulheres lindas, descendo até o chão..." MC Sapão) não se discute! Mas a música não agrega valores culturais como patrimônio imaterial (exceto o funk melody dos anos 90), muito pelo contrário, faz do corpo uma mostra pública, não revelando a beleza de sua arte futurista, expetacularizando a sedução, e deturpando o conceito de liberdade.
Não se discute todas as suas qualidades como empreendedora do ramo da música, neste meio artístico, principalmente em tempos de "Farofa da Gkay" (em que centenas e pessoas se unem para uma festa regada à bebida e comida, patrocinada pelos publishopes), nem como merecedora dos destaques que recebeu e que sequer serão apagados pela sua maneira de levar a vida de forma intensa, o que a expõe a sua própria verdade absoluta, pra quem quer ver/ouvir: empoderada, dona de si, "seu corpo suas regras", da sexualidade aberta e da equiparação em nível, quanto ao sexo oposto nos direitos e deveres, quebrando paradigmas, mas em contraponto, dando impulso à discriminação e preconceito, por questões culturais e religiosas. Ela agita o meio!
Anitta ganhou o mundo! É brasileira. É considerada guerreira (palavra deturpada em conceito nos últimos tempos) porque veio das camadas mais baixas, da favela, Onório Gurgel. Teve sua música tocada entre as "top 10" do mundo: virou a segunda; e enfim, a número 1. Mas a cancão "Envolver" que a rendeu esse topo, não estava em português.
Enfim, reconhecer o talento da Anitta é possível, mas não dá pra dizer que ela é a representação típica do país da música popular brasileira, de letra coerente, de composições tocantes, de romance, de saudade e de literatura ordinária.
Posso aplaudí-la por ter chegado lá. E o faço, sem demagogia. E reconhecer que lutou (a duras penas ou não) mas prefiro ouvir Tom Jobim, Maria Rita, Gilberto Gil, Alcione. E como queria que eles tivessem ganhado o mundo da mesma forma. Como queria!
Mas como sempre, todo furacão traz seus encargos. Já viu o caos que ele provoca ao passar por uma cidade? Quem dirá pelo mundo. Então é assistir o espetáculo e esperar as consequências. Depois da tempestade, há calmaria e depois do furacão vem o que?
Por falar em furacão, nas cidades do interior em período natalino, aparece uma "carreta furacão", na qual, personagens Disney e super heróis, fazem acrobacias e brincadeiras, enquanto as crianças e seus responsáveis passeiam pela cidade naquela máquina. Há os que amam aquela cena caricata, e outros (que jogam no meu time), não suportam aquela loucura encenada, contando os dias para o fim. Os personagens saltam de varandas, de postes, da carreta, do céu. Perigo, confusão, música alta. Mas, ainda bem que passa...
Furacões passam,Tadeu! Orelha baixa. É assim que a banda toca, meu amigo... Digo, a b$#da toca...