BRAIADO
Foi sim um dia de vitória para Marialdo. Quem diria que passaria num concurso público da prefeitura? Logo ele que nunca passara em nada na sua vida. Nunca passara da oitava série, nunca passara de um relacionamento pra outro sem transtorno, nunca passara da terceira marcha de seu carro “veio” sem o motor morrer, nem nunca passara da primeira fase do joguinho do Mario Bros. Mas o que ele passara mesmo foi das vinte e quatro capelinhas da serra da Santa Cruz. Isso mesmo, subira a serra milagrosa pra fazer a sua promessa pra passar no concurso. E não é que deu certo?
- Mas num é o contrário?
- Que contrário, muié?
- Você num teria que pedir pra passar no concurso primeiro, pra depois que passasse você subir?
- Quem que disse?
- Oxe! E né assim que funciona?
- Que... E como é que cê explica eu ter passado? Deus lá quer saber se eu subi primeiro ou depois... O importante é que eu subi.
- Sei não... Vai que cê acabou deixando Deus braiado? Aí na atrapaiação ele acabou deixando você passar...
- Rá! Mas quando eu digo... Ta parecendo uma tabaroa...
- Tabaréu é você.
- Ó, deixa de assunto, e vá cuidar, vá!
Discussão com Toinha era assim: cheia de maluquices. Parece até que não é certa, pensava Marialdo. Imagina só, Deus deixando eu passar por pura atrapalhação. Essa mulher parece que toma cachaça no lugar do café. Em vez de ficar feliz por ele ter passado, fica é preocupada com a ordem da promessa. Tá certo, pode ser que primeiro se faça a promessa a Deus, depois, se o pedido acontecer, você sobe a serra da Santa Cruz. Não faz diferença ter subido antes. Todas essas idéias tumultuavam a cabeça de Marialdo.
- Ôrri, peste! Passou mesmo, Marialdo? – Surpreendeu Mauro, seu amigo das horas incertas.
- Pois é... Num tavam achando que eu era fraco? Aí está a prova do contrário.
- Como é que a Toinha disse? Que Deus ficou braiado?! Há, há, há, há!
- Aquela peste. Só sabe falar merda...
- Agora ela tem razão, rapaz. Onde já se viu pagar uma promessa antes de acontecer?
- Ah, não, Mauro. Até você?
- E não é? Ô, Ioiô! Ioiô vem cá! – Grita Mauro, chamando Ioiô da Naninha.
- Que é?
- Você já fez promessa na Santa Cruz?
- Oxe! E quem não fez?
- Diga aí uma promessa que você fez que deu certo.
- Rapaz, teve um dia que eu tava numa aflição por causa da muié. Ela tava doente da pressão. Tava quais pra morrer. Aí eu pedi pra divina Santa Cruz que se ela vivesse, eu subiria as a serra todinha! E né que ela sarou? Foi tiro e queda. Ó, subi a serra todinha, degrau por degrau.
- Ó aí, Marialdo.
- O que foi? – Pergunta Ioiô, já intrigado.
- É que o Marialdo deixou Deus braiado.
Marialdo já tinha perdido a paciência. Que diabo! Por que tinha que ter falado aquilo justamente com o tagarela do Mauro? E ainda junto do Ioiô da Naninha... Aí deu a peste. As conversas da Toinha era assunto de estado; devem ficar somente às quatro paredes. Mas resolveu esquecer tudo isso. Eles vão ver só. “Braiado” ou “não braiado” Deus cumpriu o seu dever pela santíssima Serra da Santa Cruz.
Era Segunda Feira. Marialdo tinha acabado de chegar da roça. Seu cavalo Baião tava cansado da caminhada, e por isso ele foi pegar um pouco de água em sua casa, na rua Teixeira de Souza. Lá encontra Sônia, amiga de Toinha.
- E aí, Sônia?
- Tudo bom, seu Marialdo? Como vai a roça?
- Vai nada bem. Cheio de passarinho na fazenda do doutor Armano. E na minha não tem nada. Esses pestes parece que sabem que sou doido pra caçar passarinho. E tão tudo entocado nas arvores da fazenda do doutor Armano. Eu guento?
- Os bichinho... Deixa eles voar. Pra isso é que eles têm asas, num é?
- Han!
Neste instante, Bento entra gritando, todo esbaforido:
- Marialdo! Marialdo!
- Oxe! Mas que diabos é isso? Tá doido? Deixou o pai na forca?
- Já colocaram a lista dos que vão ser chamados no concurso! Corre, homem!
- Eita! É hoje!
- Vai com Deus, Marialdo! Tô torcendo por você! – Gritava Toinha.
Nunca se sentira tão agoniado. A prefeitura estava lotada. Era gente de tudo que era canto. Todos passaram no concurso?
Já era mais de duas horas e nada de Marialdo. Toinha já estava agoniada. Será que ele estava assinando a papelada toda?
- Ai, que esse homem não me aparece. Que horas já, Sônia?
- Vai dar três.
- Tsc! Desde de manhã que este homem tá na rua.
- Ô, mulher, fica calma. Você desesperada desse jeito não vai ajudar em nada.
- E não é pra ficar, Sônia?
Não termina nem de falar e entra Marialdo:
- Ô, homem! Tava morta de aflição. E aí, quando começa?
- Semana que vem.
- Então vem aqui me dá um abraço!
- Pra quê? Eu não passei. Semana que vem é pra fazer uma outra prova. Essa foi anulada. Desgraça!
- Hein?! Como assim, homem!
- Tá surda agora? Essa foi anulada porque disseram que a prova tinha muita coisa errada.
- E aí?
- E aí que eu braiei Deus mesmo. Peste!
Uelber Aquino 14/09/2009