Foi traidor, sim

 

          1. Desde cedo, soube que Calabar era o mais famoso traidor da pátria brasileira.           Depois, com o andar do tempo, Calabar passou a ser sinônimo de um traidor qualquer. Traiu, e logo é chamado de calabar, né mesmo?. 

          Não me lembro de ter enfrentado calabares na minha longa vida. Sempre fui tratado com a mais absoluta lealdalde; pelas mulheres, também. Considero-me, pois, neste particular, um felizardo. Olha, o que tem de "traíras" por aí! 

          2. Acabo de adquirir, com a ajuda do Mercado Livre, o livro "Alcovas da História", do escritor Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho, o nosso Viriato Correia, de caneta incandescente e atrevida. Um livro raríssimo; difícil de ser encontrado.

          Viriato nasceu no Maranhão no dia 23 de janeiro de 1884 e morreu no Rio de Janeiro em 10 de abril de 1967. É também muito lembrado pelo crepitante livro "Terra de Santa Cruz". 

          3. Em "Alcovas da História", há um capítulo sobre Calabar, Domingos Fernandes Calabar. Chamaria de uma minibiografia do Traidor. Nessa minibiografia, alguns parágrafos chamaram-me a atenção, embora soubesse que a história de Calabar é feita de desagradáveis surpresas. Para Viriato, ainda assim, houve alguém achando  que Calabar, apesar do seu comportamento comprovadamente de traidor, agiu, querendo o bem do Brasil. 

          4. Como defensor dessa tese, cita o professor Assis Cintra, respeitado e erudito intelectual do seu tempo. Segundo esse mestre, "foi o patriotismo que arrastou Calabar a guiar os holandeses contra os brasileiros. Porque Calabar percebera "que nas mãos dos luso-espanhóis o Brasil não progrediria no ponto de vista econômico e no ponto de vista liberal! Passou-se então para os flamengos, porque nos flamengos viu propulsores da evolução de nossa pátria".

          5. Apresentando argumentos definitivos, Viriato contestou o professor Cintra , na sua tese de que não fora "o cheiro azinhavrado do dinheiro que fez Calabar abandonar as nossas trincheiras para ir se bater nas trincheiras inimigas". 

          Podia transcrever o que Viriato arguiu, confirmando a traição. Como nesta frase: "Pode-se dizer que ele (Calabar) foi o general dos generais flamengos". Essa e outras declarações, no seu trabalho, Viriato põe por terra os argumentos do professor Assis Cintra. 

          6. Um pouco de Calabar, pela caneta de Viriato. Nasceu em Porto Calvo, Alagoas, em 1609 e morreu, com 26 anos, 1635. Filho de pai desconhecido. Sua mãe chamava-se Angela Alvares, que acompanhou o filho até seu último suspiro. De sua mulher, sabe-se apenas o primeiro nome, Bárbara. Calabar, afirma Viriato, teve "uma vida triste, vergonhosa"; e o chama de "primeiro Judas nacional". Se o bravo escritor maranhense vivesse hoje, perderia as contas. 

          7. Com os holandeses em Pernambuco, desde 1630, só em 20 de abril de 1632 Calabar "se passa para os flamengos". E, então, diz Viriato: "não se satisfazia em ensinar aos invasores os caminhos que os levavam à vitória.  Preparava cuidadosamente a nossa derrota, ora urdindo emboscadas, ora usando perfídias..."Eu pergunto: pode um cidadão deste quilate trair, querendo o bem do Brasil?

          8. Sua morte, contada por Viriato, in "Alcovas da História", com todos os detalhes, é de arripiar.  Procurarei sintetizar, para não mexer com os nervos de um leitor mais sensível.

          Viriato Correia: Calabar "chorou copiosamente e sinceramente o pecado e o crime da traição à pátria". Pediu ao seu confessor, que recolhesse, na mão de dona Angela, sua genitora, "os últimos apontamentos da última hora de sua vida". Não traiu companheiros.

          9. No dia 22 de julho de 1635 foi tirado da prisão e levado diretamente para a forca. No patíbulo, armado só para ele, Calabar "morreu calmamente". E acrescenta Viriato Correia: "Esquartejado o corpo, expuseram-lhe os pedaços nas pontas dos páos da estaca que servira de trincheira aos flamengos".  Precisava tanta crueldade?

          10. Viriato termina sua página sobre Calabar em "Alcovas da História", com esta frase, confirmando o alagoano como traidor, sim: "Foi para o bem do Brasil que Calabar se passou para os holandeses, como pretendem os que lhe procuram redimir a memória? Não. Passou-se pela fascinação dos trinta dinheiros". 

          Por que escrever sobre um Traidor? Porque ainda há quem ponha em dúvida a veracidade da sua traição. Enquanto isso, a geração moderna precisa conhecer a história de Calabar, num tempo de tantos traidores da pátria. Se fosse para punir todos os calabares de hoje, os vendedores de patíbulos estariam muito ricos. E Viriato Correia teria muito o que escrever.     

 

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 22/05/2022
Reeditado em 23/05/2022
Código do texto: T7521416
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