O céu dos urubus
Ilustre leitor, ignore o vosso preconceito e a inveja que tens dessa nobre espécie de ave. Enquanto o Coragyps se conecta aos céus, você deprecia seus feitos. Mas se você não está entre aqueles consternados com a opulência alheia, peço perdão. És a pessoa que ficará feliz ao ler uma crônica sobre um tema fútil para os demais. Ou não.
Confesso que nunca imaginei narrar tão nobre façanha, mas após apresentar um seminário na universidade, sentei no banco da praça e inexplicavelmente, num breve momento de impulso, olhei para o alto e pude contemplar um espetáculo que meus olhos sempre fizeram questão de ignorar: incontáveis urubus fazendo um desfile celestial.
O Homo sapiens faz inúmeras ações inescrupulosas e, ainda assim, é capaz de
classificar um ser que alcança os céus como uma criatura pejorativa. Seria puro rancor? No passado, o urubu foi o guardião do fogo, mas um guerreiro tupi-guarani tramou o roubo do fogo. Hoje, massacres são feitos com a justificativa de alcançar o céu. Porém, essa invejável ave consegue alcançar por si mesma.
As pessoas caminham aceleradas, seus rostos não fazem questão de ocultar suas aflições. Deve ser a pressa de chegar em algum lugar. É uma pena que elas não parem para observar o céu azul. As nuvens parecem transformar meus pensamentos em belas imagens. Fosse em uma comunidade ribeirinha, estavam todos a temer as fezes da ave caindo em suas cabeças. Dizem que dá azar. Mas aqui é diferente. Os urubus passam desapercebidos.
UEA. Urubus. Céu azul. Manaus.
As vezes eu venho aqui, mesmo quando não tem aula. Gosto de sentar e ficar a escrever, planejar. Talvez por isso eu tenha contemplado aquelas aves. Na verdade, admiro a capacidade de conviver em grupo que elas têm. Eu prefiro a solidão.